sábado, 25 de maio de 2013

Amor e alienação

 Prof. Amilcar Bernardi

 

Podemos dizer grosseiramente que a alienação, em Marx, acontece quando o trabalho humano produz coisas que são independentes e não pertencentes à pessoa que as produziu. Penso que, seguindo essa reflexão, alienar-se é viver produzindo coisas que não vão nos pertencer, ou seja, existimos para o outro (ou para as coisas) na esperança de ter a plena posse (das coisas ou das pessoas). Nas montadoras de veículos, monto o carro que não terei, estudo para o curso superior não pelo conhecimento em si, mas para o status[1] (que nunca será totalmente “meu”), vivo para o dinheiro (que nunca o possuirei na sua plenitude)... Assim, entendo que vivemos mais para fora de nós do que para o crescimento como pessoa única. Construir-me como alguém que está sempre fora de si é perigoso. Alienar-se, nesse sentido, é não ter empatia (caminho de ida e de volta; na alienação é só ida). O inverso, evidentemente, é também perigoso: viver para dentro, ensimesmado, imerso num egocentrismo. Aqui é interessante lembramos do “meio termo” aristotélico.

O que é o amor? Inúmeros poetas já o tentaram definir. O amor como o conhecemos é recente (sob o ponto de vista histórico). Ele é considerado um sentimento nobre que nos predispõe favoravelmente a outra pessoa, que nos faz desejar o bem dela, levando a uma situação de dedicação e, não raro, nos leva a devoção. Quando amamos, tendemos a esquecer de nós e a aproximarmo-nos do outro. Esse sentimento, esse esquecimento de si é culturalmente louvável e incentivado. Tanto as religiões quanto os poetas elogiam essa situação. Viver para o outro é amar. Podemos ir ao extremo de apaixonar-se. Então se agrava esse esvaziamento de si. A paixão é um sentimento exacerbado que se sobrepõe a razão. Quanto mais amo menos sou eu mesmo. Alienado, perco-me na busca da posse impossível do outro. Vivo para ou outro. Se guardo para mim grandes parcelas de eu mesmo, sinto como se não amasse o suficiente. O mesmo eu cobro da pessoa querida!

Podemos pensar: por que nos alienamos dessa forma? Na verdade, esquizofrênicos, buscamos o prazer narcíseo, egocêntricos e egoístas, buscamos no outro, na vida do outro, EU MESMO! Busco a MINHA satisfação, o Meu prazer, a MINHA alegria! Mesmo que para isso perca parcelas importantes da minha identidade e da minha liberdade! Vivo para o outro para ser EU MESMO feliz!!!!!!!!!!! Dialética estranha, porém, real e inevitável. Quantos morrem por seus amores! Preciso tanto do outro para ser EU que morro por isso! Portanto, amar é alienar-se. Quanto maior essa alienação, menos estou em mim para conhecer-me, para conscientizar-me de mim mesmo. Estranho, não? Viver para o outro (na esperança da posse plena) é uma tentativa de encontrar a mim mesmo!

 

 

 

 



[1] Status: lugar social ocupado pelo indivíduo no sistema de estratificação social.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Entre o analógico e o digital: falsa escolha



Prof. Amilcar Bernardi


Há bastante tempo escuto/leio a questão: velocidade analógica versus velocidade digital, professor que sabe pouco no mundo informacional do século XXI versus nativos digitais que sabem muito. São questões que se prestam a profundas discussões, porém, penso que partem de premissas que reputo como falsas, ou no mínimo, carentes de fundamento.
Caso façamos uma pesquisa sobre a idade dos que anunciam a dominância do mundo digital sobre o analógico na educação, são os nascidos na cultura pré-digital, ou ainda incipientemente digital, que apregoam as benesses das tecnologias cibernéticas. Talvez um ou outro pensador seja bem jovem, mas na grande maioria são pessoas culturalmente vinculadas a prevalência dos cadernos, dos quadros e dos gizes: na maioria migrantes digitais, portanto.  Digo isso porque quero salientar que, no caso da educação contemporânea, a ideia de tempos (tempo da máquina de escrever X tempo dos supercomputadores) é infundada.
Quando ensinamos sempre é “hoje”; afinal, somos filhos e contemporâneos do ontem. Contemporâneos porque os avós, os pais e os filhos estão assistindo ao espetáculo das aulas: hoje! Tem professor que é pai, que é avô e tem também, o professor muito jovem, recém-formado. Todos vinculados às salas de aula! Portanto, o ensinar/aprender de ontem e o de hoje não se excluem. Tenho certeza que saber a tabuada através do quadro de giz ou por um blog, só leva em consideração a importância de saber a tabuada. O aluno que se motiva através da escrita desta tabuada no caderno, é tão “normal” quanto o motivado pela lousa digital. A motivação depende pouco dos meios físicos ou tecnológicos, depende bem mais dos fatores humanos. Alguém motivado (internamente) tende a motivar outra pessoa. Com isso, obviamente, não estou negando as TICs; apenas relativizando as “odes” feitas para elas.
Eu era praticante de uma arte marcial. Eu tinha como estímulo o desejo de sucesso numa luta entre iguais. Nessa luta a criatividade, a previsão (antevisão) do golpe do adversário é fundamental. Mas como chegar a esse patamar? O foco. É necessário ajustar o foco no treinamento para ser “randômico” na luta. Na verdade, o foco, a multivisão e a criatividade são a mesma coisa para obter o sucesso na arte marcial. Porque disse isso? Porque acredito que o aprender escolar segue a mesma problemática: foco e criatividade irmanadas; inseparáveis. Então, tanto o acesso ao conhecimento focado e o acesso “randômico”, digital e multifocal a esse conhecimento são inseparáveis na arte de aprender a aprender. Caso o professor escolha apenas uma das opções, não obterá sucesso.
Aprendi no século passado que as aprendizagens (e as ensinagens por consequência) são múltiplas, infinitas até. Então, todas as formas de ensinagem ainda são válidas, sejam as virtuais, as analógicas ou as contadas pelo índio mais velho ao mais novo. E digo mais: todas as formas de ensinar/aprender acontecem em todas as aulas, em todos os tempos e em todas as disciplinas, independentemente se da parte do professor, se da parte do aluno, se no livro, se nos espaços cibernéticos.



Imagem: http://instinctalternative.blogspot.com.br/2010/07/projeto-ciberneticos-tron.html