sábado, 23 de maio de 2015

Rerum Novarum

Encíclica Rerum Novarum

A encíclica é um documento feito pelo papa dirigido aos religiosos e aos fiéis. De maneira geral tem cunho de fé, mas também pode se referir ao mundo, aos problemas sociais e econômicos. O Papa Leão XIII utilizou-se da Rerum Novarum para orientar o mundo cristão num momento de grande sofrimento dos trabalhadores e trabalhadoras. O contexto era o da Revolução Industrial, do liberalismo clássico e das péssimas condições de trabalho e dos baixos salários. O pensamento de Karl Marx era já bastante conhecido pelas classes mais esclarecidas.
O Papa manifestou-se, pois, o contexto social assim o exigia. Leão XIII reconhece que as pessoas que trabalham estão numa miséria imerecida, entregues a cobiça. Entretanto, defende a propriedade privada e reage contra o comunismo. A riqueza e seu acúmulo em excesso, assim como o comunismo e o socialismo, corrompem a alma e o corpo.  O corpo é exaurido pelas horas extenuantes de trabalho, e alma corrompida pelo afrouxamento dos costumes, pelo abando das mães trabalhadoras a seus filhos. O comunismo também corrompe a alma insuflando o ódio e a inveja nos pobres, segundo o Papa.
A propriedade, segundo Leão XII, estava já prevista por Deus na Bíblia: Não cobiçarás a mulher do teu próximo. Não desejarás para ti a casa do teu próximo, nem o seu campo, nem o seu servo ou serva, nem seu boi, nem seu jumento, nem bem algum que pertença a teu próximo”.
Apesar dessa defesa da propriedade, a Igreja não pode deixar de ver a dolorosa realidade social.  A encíclica afirma que somente o evangelho pode suavizar o conflito. Não é possível aceitar a ideia da luta de classes, mas a concórdia entre elas.  A diferença social é natural, mas o conflito não.  Adverte a  Rerum Novarum que a desigualdade social deve ser algo que venha a favor de todos.  As classes ao unirem-se, como fazem os organismos complexos, proporcionarão o avanço social, a sinergia entre as classes. A classe trabalhadora não deve lesar o patrão e deve ser fiel a ele. Por outro lado, os patrões não podem ver o trabalhador como escravo, inumano, como coisa, como instrumento do lucro. O patrão deve cuidar do pobre para que este viva modestamente, mas com dignidade junto com sua família. Com isso o empregador ajuda ao seu subordinado cuidar das coisas da alma, pois terá o subalterno menos tempo de trabalho e o salário será o suficiente para a esposa cuidar da família.
Ser rico não é pecado, mas o cuidado com a esmola impõe-se. Jesus era o rico supremo e fez-se pobre. O rico deve controlar seus impulsos ao enriquecimento e aos prazeres. Para isso o estado é necessário. Leão XIII opõe-se ao liberalismo. Afirma que o estado tem que propiciar com suas leis a prosperidade pública e o progresso da indústria, do comércio e da agricultura.  O governo observará a sorte do operário e a proteção à sua dignidade. Pobres e ricos são cidadãos. O trabalho deve assegurar habitação, vestuário e que as pessoas possam viver através dele. A riqueza do rico vem do trabalho. O trabalho do pobre vem da riqueza.  O trabalho é a fonte da riqueza das nações. Portanto, uma classe nunca poderá oprimir outra. O estado cuidará da harmonia entre elas.  A lei estatal reprimirá os abusos preocupando-se primeiramente dos fracos.
A greve é desarmonia. A desordem impede o desenvolvimento. É preciso antecipar os motivos. Identificar a causa e saná-la com sabedoria. O papel dos sindicatos e das corporações são muito importantes, úteis e necessários. Não é possível a luta de classes. Por isso o estado deverá dar as garantias mínimas ao trabalhador.
A Rerum Novarum produziu uma corrente favorável às políticas sociais ao incentivar as organizações dos trabalhadores e ao chamar a atenção do estado sobre as condições dos trabalhadores. Aproximou a ordem econômica da moral cristã. O cristianismo reconhece a má distribuição do poder e das riquezas. Portanto, apregoa a encíclica que o salário seja digno e que todos possam encontrar trabalho. O trabalho é mais que o lucro que traz, é a dignidade do trabalhador.


quinta-feira, 21 de maio de 2015

Platão



Platão é uma das maiores figuras de todos os tempos na filosofia. A extraordinária envergadura do gênio filosófico de Platão está em ter tirado a especulação filosófica das incertezas e da ingenuidade dos inícios e, tê-la levado a uma profundidade, maturidade e amplitude assombrosos.
Ele nasceu em Atenas, 427 ªC. Seus pais foram Aristão e Perizona, ambos descendentes das mais nobres famílias da Grécia. Depois de ter recebido uma esmerada educação, seu primeiro contato com a cultura deu-se no terreno da pintura e da poesia. Mas bem depressa começou o estudo da filosofia, frequentando a escola de Crátilo, longínquo discípulo de Heráclito.
Enquanto Platão ouvia as lições de Crátilo já começara a frequentar a escola de Sócrates. Essa foi a maior influência na formação da personalidade de Platão.
Após a condenação de Sócrates, Platão, temendo represálias, deixou Atenas com destino a Mégara. De lá iniciou uma série de viagens, visitando cidades da Grécia e da Itália. Quando voltou a Atenas, fundou sua Academia. É a primeira universidade, onde estava previsto o estudo da matemática e geometria. Forneceu a Grécia uma série de grandes matemáticos e espíritos organizadores e imprimiu a matemática e à geometria um enorme desenvolvimento.

A teoria platônica das ideias:

Platão parece ter-se considerado em condições de resolver todos os problemas filosóficos. Procurava verdadeira causa de tudo. Para encontra-la julgou que devia refugiar-se nas idéias e considerar nelas a realidade das coisas existentes. Para Platão uma coisa é bela porque participa da beleza. Só é verdadeira porque participa da verdade. Esta é a causa do mundo sensível: a sua participação no mundo intelectual. Isto significa que, existindo um mundo sensível, deve existir também o mundo inteligível. Existem bancos porque existe à parte, separado, subsistente, o banco.  Só existem os homens porque existe o homem.
Vê-se assim que, segundo Platão, existem dois mundos, o inteligível e o sensível, e que o primeiro é a causa do segundo.
Para demonstrar a existência do mundo inteligível (mundo das ideias), Platão aduz três argumentos:
Argumento da reminiscência: temos a ideia de verdade, de bondade, de igualdade, a ideia universal de homem, etc. Essas idéias nós não as tiramos da experiência, logo o conhecimento atual é a recordação de uma intuição que se deu em outra vida.

Reminiscência: Segundo Platão, lembrança do que a alma contemplou em uma vida anterior, quando, ao lado dos deuses, tinha a visão direta das idéias; anamnese. 

Argumento do verdadeiro conhecimento: Não existe ciência a não ser do verdadeiro; ora, a verdade exige correspondência entre o conhecimento e a realidade, mas o único conhecimento humano que merece o nome de ciência é o que diz respeito aos conceitos universais. Logo, deve existir um mundo inteligível, universal.
Argumento da contingência: deve existir a ideia necessária e estática para que se explique o nascer e o parecer das coisas: uma coisa é bela não por certa combinação de cores, mas porque é uma aparição terrena do Belo em si; o dois é dois não pela adição de duas unidades, mas pela participação na Dualidade.

As idéias são sempre descritas como realidades simples, incorpóreas, imateriais, não sensíveis, incorruptíveis, eternas, divinas, imutáveis, auto-suficientes, transcendentes. Uma questão de difícil solução para os estudiosos de Platão, é o lugar de Deus no mundo inteligível. Platão acredita nos deuses, mas também na existência de um Ser supremo (Demiurgo), criador e pai do universo, artífice de todas a sorte de objetos. Para o filósofo das idéias, Deus é uma das idéias soberanas.  Para Platão Deus constitui um grande mistério. Ele diz que é difícil encontrar o Autor e Pai do Universo, e, uma vez encontrado, é muito difícil falar nele.
Platão afirma que no princípio existiam, além das idéias (os modelos a reproduzir), o caos (uma matéria informe a plasmar) e o Demiurgo (o artífice soberano). O Demiurgo, observando as idéias, plasma a matéria informe e assim produz o mundo material. Terminada a tarefa, o Demiurgo infunde no mundo material uma alma universal, a fim de conservar a vida do mundo, sem uma contínua intervenção do Demiurgo.

O pensamento político de Platão: [1]

No livro VII de A República, Platão ilustra o seu pensamento como o famoso muito da caverna.   Vamos observar a questão política. As questões que então aparecem são as seguintes: como influenciar os homens que não vêem? Cabe ao sábio ensinar e dirigir. Trata-se da necessidade da ação política, da transformação dos homens e da sociedade, desde que essa ação seja dirigida pelo modelo ideal contemplado.
Platão imagina uma cidade, Callipolis (cidade bela). É uma cidade utópica. É uma cidade que não existe, mas que deve ser modelo.
Partindo do princípio que as pessoas são diferentes e por isso devem ocupar lugares e funções diferentes na sociedade, Platão diz que o Estado, e não a família, deve se ocupar da educação das crianças. Aqui quer uma forma de comunismo em que são eliminadas a propriedade e a família, a fim de evitar a cobiça e os interesses decorrentes dos laços afetivos, além da degenerescência das ligações inadequadas.  O Estado orientaria as formas de eugenia (ciência que estuda as condições mais propícias à reprodução e melhoramento genético da espécie humana), criaria creches para a educação coletiva das crianças.
A educação estatal deve ser igual para todos até os 20 anos, quando dar-se-ia o primeiro corte identificando as pessoas que, por possuírem alma de bronze, têm a sensibilidade grosseira e por isso devem se dedicar à agricultura, ao artesanato e ao comércio. Dedicariam-se a subsistência da cidade.
Os outros continuariam os estudos por mais 10 anos, até o segundo corte. Aí seriam identificadas as almas de prata, que teriam a virtude da coragem essencial aos guerreiros.  Constituiriam a guarda do estado, seriam os soldados.
Os mais notáveis, que sobrariam desses cortes, teriam a alma de ouro. Seriam instruídos na arte de pensar a dois, ou seja, na arte de dialogar. Estudariam filosofia, que eleva a alma a ter o conhecimento mais puro.
Aos 50 anos, aqueles que passassem com sucesso pela série de provas estariam aptos a serem admitidos no corpo supremo dos magistrados. Estes governariam a cidade, exerceriam o poder, pois apenas eles teriam a ciência da política.  Por serem os mais sábios, também seriam os mais justos, uma vez que justo é aquele que conhece a justiça. E esta é a principal virtude, condição das demais. Só poderá ser chefe quem conhece a ciência política. Por isso a democracia é inadequada, pois desconhece que a igualdade deve se dar apenas na repartição dos bens, mas nunca no igual direito ao poder.  É preciso que os filósofos se tornem reis, ou que os reis se tornem filósofos.

A ética platônica:

Toda a filosofia de Platão tem uma orientação ética. Ela ensina o homem a desprezar os prazeres, as riquezas e as honras, a renunciar aos bens do corpo e deste mundo e a praticar a virtude. Afinal, no mundo sensível a alma é prisioneira do corpo, é peregrina à procura de um bem superior que perdeu. O homem está na terra de passagem. A alma será julgada de acordo como justiça e a injustiça que cometeu, será julgada em função da temperança e da intemperança, da virtude e do vício. Para ser feliz é necessário dedicar-se a prática da virtude. A virtude consiste no conhecimento, ao passo que o mal consiste na ignorância. A virtude é uma só: o conhecimento da verdade.
Então a realização da natureza humana [2] não consiste em uma disciplina racional da sensibilidade. Mas na supressão da sensibilidade, na separação da alma do corpo. Agir moralmente é agir racionalmente, e agir racionalmente é filosofar, e filosofar é suprimir o sensível, morrer aos sentidos, ao corpo, ao mundo, viver para o espírito, o inteligível, a ideia. Visto que a alma humana racional se acha, de fato, neste mundo, unida ao corpo e aos sentidos, deve principiar a sua vida moral sujeitando o corpo ao espírito, para impedir que o primeiro seja obstáculo para o segundo. Para que se realize a sabedoria, a contemplação, a filosofia, é necessário que a alma racional domine, daí a virtude da temperança (moderação).


O mito da caverna:


Um grupo de pessoas vive acorrentado numa caverna desde que nasceu, de costas para a entrada. Elas vêem refletida na parede da caverna as sombras do mundo real. Elas acham que as sombras são tudo o que existe. Um dos habitantes se livra das amarras. Fora da caverna, primeiro ele se acostuma com a luz, depois vê a beleza e a vastidão do mundo, com suas cores e contornos. Ao voltar para a caverna para libertar seus companheiros, acaba sendo assassinado, pois não acreditam nele.
O mito da caverna [3] é uma alegoria a respeito das duas principais formas de conhecimento: o mundo sensível, dos fenômenos e o mundo inteligível, das idéias.    Se escapasse da caverna [4] e alcançasse o mundo luminoso da realidade, ficaria livre da ilusão. Mas, estando acostumado às sombras, às ilusões, teria de habituar os olhos à visão do real: primeiro olharia as estrelas da noite, depois as imagens das coisas refletidas nas águas tranquilas, até que pudesse encarar diretamente o sol e enxergar a fonte de toda a luminosidade.





[1] Aranha, Maria Lúcia de Arruda. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo. Editora Moderna. 1993.


[2] Padovani, Humberto. História da Filosofia. 7a edição. São Paulo, Edições melhoramentos. 1967.
[3] Aranha, Maria Lúcia de Arruda. Filosofando: introdução à filosofia.. 2a edição. São Paulo. Editora Moderna, 1993.
[4] Cotrin, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: ser, saber e fazer. São Paulo. Editora Saraiva. 1997.

Sócrates

SÓCRATES

 
Para os Cristãos, Cristo é um divisor de águas. Existe a história antes de Cristo e a depois de Cristo. Para a filosofia ocidental, temos os pré-socráticos e os pós-socráticos.
             Também Sócrates é um divisor nas águas revoltas da história da filosofia.  Com esse            pensador a preocupação grega passa a ser a ética e a política e não mais a natureza, como nos pré-  socráticos.
Sócrates argumentava de maneira forte contra os que acreditavam saber algo. Acaba confrontando com o Estado, pois sua ironia colidia contra as práticas dos políticos da época. Acaba por ser condenado à morte. A acusação: desrespeitar os deuses e corromper a juventude. Na verdade o que havia contra Sócrates era seu cruel questionamento dos valores da época. Manda-lo à morte foi imortaliza-lo, pois seu desaparecimento naquelas circunstâncias marcou seus contemporâneos. Quando estava em frente aos 501 cidadãos do júri, ironiza os acusadores e pouco se defende. O júri então o condena a morrer bebendo cicuta.
Esse brilhante pensador optou por manter diálogos com as pessoas. Dialogava com qualquer um em qualquer lugar. O ponto alto desses diálogos era a refutação. As afirmações dos interlocutores eram desqualificadas por Sócrates. O Filósofo levava as pessoas a se contradizerem. A dificuldade está em que Sócrates não escreveu tais diálogos. Ele valorizava mais a fala viva do que a letra morta.  Seu principal discípulo, Platão, registrou seus ensinamentos. Isso trará outro problema: estamos estudando Sócrates ou Platão?
Platão nos mostra Sócrates nas praças de Atenas ironizando e questionando as pessoas. Esse questionamento era cruel, muitas vezes acontecia de forma grosseira.  Iniciava suas questões muitas vezes pela definição: “O que é isso que falas?” As idéias e as virtudes deveriam ser definidas com exatidão. Descobriu Sócrates que as pessoas não sabiam do que falavam! Ele faz uma espécie de análise de conceitos em seus diálogos.


Os sofistas também agiam semelhantemente ao Sócrates, porém, intencionavam diretamente preparar uma elite, futuros governantes. Para isso ensinavam de maneira enciclopédica e com ênfase na eloquência.



Polemarco e Sócrates discutem a justiça. A República


-                 Ora muito bem: para proveito e obtenção de que dirás que é útil a justiça em tempo de paz?
-                 Para os contratos, Sócrates!
-                 Por contrato entendes sociedades, ou que outra coisa?
-                 Sociedades, precisamente.
-                 Quem é o melhor parceiro num jogo de damas: o homem justo ou o bom jogador? E para a colocação de tijolos e pedras, o homem justo será melhor sócio do que o pedreiro?
-                 Bem ao contrário.
-                 Então em que espécie de sociedade o homem justo é melhor sócio do que o citarista, uma vez que para tocar cítara este é melhor sócio que o homem justo?
-                 Creio que em assuntos de dinheiro.
-                 Com exceção, talvez, ó Polemarco, do uso do dinheiro quando se trata de comprar ou vender um cavalo, pois nesse caso penso que será preferível um homem entendido em cavalos. Não é assim?
-                 Sim, parece.
-                 E quando queres comprar um navio, o armador ou o piloto será melhor?
-                 É verdade.
-                 Então, qual é o uso em comum da prata ou do ouro em que o homem justo deve ser preferido?
-                 Quando se quer que um depósito seja bem guardado.
-                 Queres dizer: quando não precisamos do dinheiro e convém deixa-lo quieto?
-                 Precisamente.
-                 Portanto, a justiça é útil quando o dinheiro é inútil?
-                 É o que se conclui.

Sócrates nas suas indagações quer se afastar do senso comum e aproximar-se dos conceitos mais precisos e ricos. Podemos dizer que ele parte do que já sabemos (senso comum) para um conhecimento mais elaborado. Essa busca pelo conhecimento mais elaborado é pessoal, ninguém pode fazer pela pessoa. Por isso esse filósofo perguntava sempre, nunca respondia. A pessoa, através da própria reflexão, devia achar as respostas. Ele motivava o aprendiz com seus diálogos em praça pública.
Sócrates nasceu em 470 ou 469 ªC, em Atenas, filho de Sofrônico, escultor e de Fenáreta, parteira. Aprendeu a arte paterna, mas dedicou-se inteiramente à meditação e ao ensino filosófico, sem recompensa nenhuma, não obstante sua pobreza. Formou sua instrução, sobretudo através de reflexão pessoal, na moldura da alta cultura ateniense da época, em contato com o que de mais ilustre houve na cidade de Péricles. Casou-se com Xantipa, que não foi a esposa ideal. Mas também ele não se preocupava com as questões domésticas.
A introspecção é característica da filosofia socrática. Exprime-se no famoso lema conhece-te a ti mesmo. – isto é, torna-te consciente da tua ignorância.
Sócrates não gostava que o chamassem de sofista. Mas é fato que tinha uma vida semelhante a eles. Não recebia dinheiro por seus ensinamentos, mas semelhantemente aos sofistas, falava nas praças públicas. Os jovens adoravam ouvi-lo. Ele queria falar sobre coisas práticas, não sobre metafísica. Assim falava sobre autoconhecimento (um dos pontos fundamentais da sua filosofia), política e ética.
Interessou-se sobre o conhecimento de si e dos homens.  Refletia sobre esse tema em público, isso fez com que surgissem muitos curiosos a sua volta, que acabaram tornando-se seus discípulos.  Acreditava que o conhecimento vem da discussão, ou seja, da partilha entre as pessoas que querem aprender e ensinar. O saber é construído em conjunto.
Sócrates interrogava as pessoas sobre o que elas acreditavam saber. O resultado era interessante. As pessoas desconheciam o que falavam! Então Sócrates percebe que a sabedoria começa pelo reconhecimento da própria ignorância.  Mesmo sendo esse processo muito doloroso. Quanto mais orgulhosa e preconceituosa for a pessoa, tanto mais difícil será a superação da ignorância. Para estas ele reservava a ironia e a refutação.  A ironia e a refutação levavam as pessoas a aceitarem e confessarem suas próprias contradições e ignorâncias. Só assim estavam livres para descobrirem coisas novas. Ajudava seus discípulos a conceberem suas próprias ideias.  A educação vem de dentro para fora da pessoa. É uma autoeducação que leva ao conhecimento de si mesmo através das discussões (diálogos). 
Não podemos confundir os diálogos com o cultivo da eloquência. Sócrates não queria levar as pessoas a se convencerem através de palavras bonitas, sonoras e atraentes. Utilizava-se da dialética. Buscava através de perguntas e respostas o esclarecimento do que é a vida virtuosa na polis. Ele queria eliminar a ignorância das almas não confundi-las com sofismas.

O mundo humano

A filosofia de Sócrates volta-se para o mundo humano, psicológico, com finalidades práticas, morais. É cético com relação a metafísica. A única ciência possível e útil é a ciência da prática. Vale dizer, o agir humano – bem como o conhecer humano – se baseia em normas objetivas e transcendentes à experiência.
A gnosiologia de Sócrates baseia-se nesses pontos fundamentais: ironia, refutação, introspecção, ignorância, indução, definição. Antes de tudo, temos que desembaraçar o espírito dos conhecimentos errados, dos preconceitos, opiniões; é este o momento da ironia, isto é, da crítica. A seguir será possível realizar o conhecimento verdadeiro (a ciência) mediante a razão.  O mestre deve tirar a instrução da mente do discípulo. O procedimento lógico para realizar o conhecimento verdadeiro é, antes de tudo, a indução: isto é, remontar do particular ao universal, da opinião a ciência, da experiência ao conceito.

A ironia, a refutação e a maiêutica

Entre os gregos a ironia era considerada uma atitude do espírito detestável. Segundo Aristóteles, o irônico peca contra a veracidade porque, em seus discursos, se recusa a revelar as suas qualidades, oculta seu saber sob a capa de uma ignorância fingida e se protege atrás de um comportamento negativo. Os contemporâneos de Sócrates o condenaram por ela. A ironia e a refutação acabam, nas mãos de Sócrates, se tornando uma atitude pedagógica e filosófica.  Essa atitude tem a finalidade de pôr a descoberto a vaidade, de desmascarar a impostura e de seguir a verdade. Ao desprezar o que a sociedade preza, ameaça as opiniões correntes e os valores consagrados. Era, dessa forma, um cidadão crítico ao questionar o que se tinha como verdade.
Com suas perguntas Sócrates deixava embaraçado e perplexo aquele que está seguro de si mesmo. Conceitos até então estáveis são vistos como problemas. Atiçava a curiosidade e a reflexão. A sua arte educativa pode ser comparada com a de sua mãe, porque ele é como o médico que ajuda nos partos do espírito. Por causa deste aspecto o método de Sócrates é chamado de maiêutica.
Por razões de método (e não por incapacidade), seus diálogos levantavam uma questão, mas não davam a solução. Servem para pôr o interrogado no caminho da solução e para que ele mesmo a encontre.

Ensinamentos filosóficos:

 Sócrates não se interessa pelos princípios supremos do universo, mas pelo valor do conhecimento humano. Não questiona o cosmos, antes de tudo examinava se os homens haviam aprofundado suficientemente os conhecimentos humanos, para se ocuparem de tais assuntos.
Na psicologia, a doutrina socrática gira em torno da imortalidade da alma. Para ele a alma é superior ao corpo e encontra-se nele como numa prisão. A morte libera a alma desta prisão e lhe abre a porta de uma vida melhor. Deve-se cuidar da alma e não temer a morte.
Quanto ao conhecimento, faz uma distinção entre opinião e verdade. O conhecimento sensível por si só não pode fazer-nos conhecer a verdade, mas somente opiniões mais sólidas. O homem é dotado só de conhecimento sensitivo. Mas, além disso, existe outro conhecimento, o intelectual. Este vai além das aparências sensíveis, porque extrai das coisas a sua verdadeira natureza, formando na mente uma noção, um conceito, de valor universal.
Sócrates foi o primeiro filósofo que procurou determinar a natureza do conceito universal e que mostrou que ele é muito diferente da opinião. A opinião varia de individuo para individuo, ao passo que o conceito universal é necessariamente o mesmo para todos.
O procedimento para chegar a aquisição do conceito universal é o indutivo.

Indução: Raciocínio cujas premissas têm caráter menos geral que a conclusão.
        
Das definições de valor limitado passa-se para definições menos imprecisas até chegar-se à definição adequada. Quando Sócrates quer definir a justiça, por exemplo, pede aos interlocutores uma definição e demonstra que ela é insuficiente. Pede outra definição e faz o mesmo... até chegar a uma definição mais satisfatória.

Para Sócrates a moralidade identifica-se com o conhecimento: a sabedoria é virtude e a virtude identifica-se com a sabedoria. Se o homem peca, é por ignorância, porque não é admissível que, conhecendo o bem o mal, escolha o mal e não o bem. Os homens que fazem o mal ignoram o bem ou não sabem que o que escolheram é mau. Ele incita seus ouvintes a procurarem a verdade e a sabedoria, porque somente a verdade e a sabedoria tornam o homem livre e virtuoso.

Poder e violência. Coisas distintas.