segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Jurisdição, Estado e Direito.

Prof. Amilcar Bernardi

Fácil imaginar a seguinte situação: náufragos que se salvaram numa ilha remota. Sabedores que, por alguma fatalidade, nunca seriam resgatados; organizam-se, dividem tarefas e estabelecem um regramento mínimo para que pudessem conviver com alguma tranquilidade. Mas a tranquilidade é algo por demais frágil entre criaturas racionais e egocêntricas. Logo alguém por ser indolente, induz outro a trabalhar mais que ele. Já outro acumula o que não poderia ser acumulado. Outra ainda, afirma seu direito natural de nada fazer ou fazer o que quiser.

Como resolver os impasses? Quem resolveria? Para alguns a autocomposição foi suficiente, mas para os mais emocionalmente duros, não foi possível.  A discussão dos náufragos sobre o que é justo, cede à questão da eficácia da norma estabelecida. Daqui para diante é fácil imaginar que estas pessoas perdidas criam um terceiro. Este terá como função aplicar e fazer cumprir tais normas. De maneira livre, os ilhados criam algo que os limita: o Estado. Ele resolverá os conflitos de forma obrigatória. Os comportamentos sociais serão agora avaliados, tutelados e regrados de forma coercitiva. Os particulares cedem ao coletivo. Surge então o que chamamos de jurisdição. Somente após a criação deste terceiro em relação a sociedade, é que podemos falar em jurisdição. É o Estado que arbitra os conflitos tendendo a pôr fim às disputas; mesmo que pelo uso da força legal.

Evidentemente que o Estado moderno não é um ente que age por arbítrio próprio, sem limites e sem racionalidade. O direito, as normas e consensos, enfim, as leis surgem, fundamentam e legitimam o Estado e seus juízes. É ele (com seus três poderes – hodiernamente) quem diz o direito e o faz cumprir.  Agora pode-se dizer que há justiça, no sentido de que justo são as ações estatais - limitantes das liberdades civis - que seguem princípios e ritos. São os processos legais estritamente vinculados às leis.

O Estado-juiz quer a harmonia social entendida como a existência mínima de conflitos entre particulares. Para isso é preciso que seja legítimo e que seja imparcial. Assim ele será, enquanto manter-se nos trilhos do direito consolidado nas constituições. Imparcial e equânime; estes são os princípios que devem rege-lo. Ficará inerte até ser provocado: os juízes agem quando houver interessados que os provoquem. Não haverá Estado de exceção em tempos de paz. Sempre respeitará os direitos e garantias constitucionais. Somente assim os conflitos serão dirimidos pela ordem jurídica constitucional. 

Só há Estado porque há conflito. Só há normas e o Direito porque há conflito. Da mesma forma, o conceito de jurisdição surge da mesma necessidade de evitar os conflitos intersubjetivos. E só uma instituição pode impor a paz social: o Estado-juiz.