terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Desobediência civil

Prof. Amilcar Bernardi

Art. 1º - Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.


Nos países democráticos a liberdade é um dos valores de maior importância. O
Estado está a serviço dos interesses do povo e não ao contrário. Portanto, se o Estado exorbita, e na medida em que exorbita, há quem defenda que os cidadãos podem tomar para si o direito de obedecer/desobedecer ao arbítrio estatal.
É um momento de empoderamento popular. A liberdade passa a ser exercida acima do poder de coação das autoridades. O Estado fica impedido de obrigar o cumprimento da sua ordem. O indivíduo poderá desobedecer a ordem exorbitante. Não é possível exigir do cidadão aquilo que extrapola o contrato social.  
O ser humano nasceu livre, depois criou o Estado. Essa liberdade pode ser retomada quando os direitos e garantias constitucionais são aviltados. Afinal, o Estado está limitado por sua constituição. As pessoas só aceitam a redução da sua liberdade natural, nos limites constitucionais. Nem um milímetro a mais. As pessoas não deram um “cheque em branco”. O contrato social firmado está claro nas regras das Constituições. O cidadão obedece porque acredita nas leis e fará todo o possível para continuar nelas acreditando. Inclusive, aceita como justa a coerção sobre aqueles que, conscientes do contrato social, o descumprem injustificadamente. Inclua-se nessa afirmativa as próprias autoridades.


Desobediência civil:  Resistência pacífica ao poder constituído.  Forma de oposição política que se manifesta no descumprimento das normas legais e no não-atendimento às ordens da autoridade.
Dicionário Jurídico. Ivan Horcaio. 2008



O que justifica a fé na lei é a sua racionalidade. Todos sabem que pior seria se elas não existissem, ou que fosse permitida exceções arbitrárias às suas determinações. Não pode haver cobranças excessivas ou liberalidades injustificadas, irracionais. Se a jurisdição se baseia no povo que a garante ao mesmo tempo que a sofre, cabe também a ele a desobediência em casos excepcionais.
Na Constituição de 1988, a subordinação das autoridades ao povo é clara no seu artigo primeiro e em seu parágrafo único, onde é consagrada a mera representatividade dos comandantes do país. Mas, essa mesma constituição, não deixa claro os instrumentos legais determinantes para a intervenção popular no legislativo ou no executivo. Não há, no Brasil, amparo evidente à desobediência civil. Ou seja, não está regulamentado o direito da não ação do cidadão, o direito de não obedecer ao que é exorbitante, ao que é injusto.
Quem seria o titular do direito à desobediência? O cidadão com suas prerrogativas e obrigações, consciente das normas que desobedece e das suas  consequências. A pessoa desobediente não quer algo somente para si, mas quer com sua omissão consciente e cidadã, mostrar a injustiça da lei, a sua inconformidade cívica em relação ao exorbitamento do Estado. Por isso, o indisciplinado quer o novo, a mudança, e não entende como normal sua indisciplina. Quer-se mais resistir ao injusto do que negar a importância da disciplina frente à lei.
Pode-se dizer que o insurgente momentâneo defende a Constituição, pois crê defende-la de um mau uso dela pelas autoridades. Na voz de Henry Thoreau convém lembrar: “ O governo, no melhor dos casos, nada mais é do que um artifício conveniente, e todo o governo algum dia acaba por ser inconveniente. ” Thoreau, um dos principais pensadores da desobediência civil, não considerava o desobediente alguém contra o governo. O indisciplinado se contrapunha ao ato injusto e, ao não o aceitar, contribuía para um governo melhor.
Quem defende a Desobediência, entende que um governo melhor não vem necessariamente da maioria, afinal, quantidade não é sempre sinônimo de qualidade. Há a possibilidade de, ao atender o cidadão desobediente, o Estado seja mais justo do que ao tender a maioria. Para o desobediente civil, o questionamento pacífico e constante, a crítica persistente, mesmo que inoportuna ao olhar do dirigente, é a garantia da qualidade das ações governamentais.



Poder e violência. Coisas distintas.