quinta-feira, 19 de outubro de 2017

O caso do boné do partido vermelho




Nos finais de semana, sempre que posso, vou caminhando até a casa da minha mãe. Geralmente uso um boné vermelho.  Tenho mais de um. São vermelhos porque representam um time de futebol: o Internacional de Porto Alegre. Mas o que quero comentar é o seguinte. Por três vezes, três pessoas moradoras do bairro onde mora minha mãe, confundiram o vermelho do meu boné com o vermelho de um partido político. As três pessoas, cada uma por sua vez, em dias diferentes, interromperam minha caminhada. Uma delas estava a pé (como eu) e outras duas nos seus carros. Elas, cada uma a seu turno, disseram para mim mais ou menos o mesmo: “Amigo, troca de partido político! ” Vozes amistosas e alegres.  Nem desconfiaram da gafe. Para mim, meu boné apenas significa apreço por um time de futebol. Para elas, significa uma escolha infeliz por um partido político indesejável (para elas!). A interpelação foi intempestiva e, portanto, inoportuna.

O fato de me interpelarem, traz embutido nele algumas apostas feitas por elas. Apostas que não concordo.  A primeira é de que têm o direito de me interpelar, interrompendo meus passos. Também partiram do princípio (injustificável) de que eu valorizaria o conteúdo das interpelações. E, por último, estavam (e estão ainda)  convictas (por pura crença) de que há alguma verdade nas suas falas.  A única verdade “verdadeira”: a terceira admoestação destas pessoas, fez-me pensar o que escrevo agora.

Entendo que a liberdade de expressão é um valor imperioso, importante o suficiente para estar esculpido na Constituição Federal. Entretanto, o direito de expressar algo não é o mesmo que invadir o espaço mental/espiritual de alguém. Meu espaço intelectual, meu espaço de pensar meus pensamentos pelas ruas da vida, é inviolável. Estas três pessoas, acredito que de boa-fé, violaram meu espírito.  Eu não desejava (e também não rejeitava, apenas queria ignorar) a opinião delas.  Sequer fui consultado por elas se queria entrar em contato com opiniões partidárias, ainda mais desta forma abrupta.

Falo isso especificamente na questão partidária. A parte da política com a qual essas pessoas se identificam (oposta ao da cor vermelha), não tem relevância para mim. Qual valor terá uma interpelação partidária para quem nem está pensando nisso? Que valor terá uma opinião partidária, para quem é violado em seu silêncio de caminheiro de final de semana? Ainda mais porque veste algo vermelho? As três pessoas (cada uma em sua vez) não entenderam o significado que dá o caminheiro ao seu boné vermelho.  Para elas, na pressa em opinar, a intenção do transeunte não era em nada relevante.

Aqui não há rancor, nem mágoa, nem “mi, mi, mi” nenhum. Apenas comento a desatenção desrespeitosa ao direito cidadão de caminhar mentalmente solitário. As três ocasiões valeram apenas para eu refletir. Nas três situações as três pessoas foram arrogantes. Pensam que tem o direito de interromper meus passos, apenas para afirmar alguma verdade não solicitada. Creem que eu validaria com minha atenção tal vaidade e arrogância.

Quem endossou as verdades ditas por elas? As três pessoas foram incapazes de tal reflexão. Elas se auto endossam.

O significado partidário do boné vermelho está dentro delas. O sentimento de rejeição ao partido vermelho está dentro delas. Eu estou fora. A questão é simples: eu não queria (nem quero) invadi-las com minha representação futebolística do boné. Mas, as três pessoas, se sentiram invadidas pelo que acreditam estar em mim: um apoio a determinado partido político. E então, tocadas em suas representações internas, jogaram-nas em minha direção. Uma total elucubração interna delas, externadas para mim, o caminheiro solitário. Para elas, meu interior não tem importância nenhuma. Estas pessoas só veem e sentem elas mesmas. Elas queriam que eu, mero caminheiro de final de semana, as entendesse, as aceitasse e aprendesse com elas. E eu aprendi mesmo: vou ficar mais atento para não eu fazer o mesmo que elas!



Poder e violência. Coisas distintas.