sábado, 25 de novembro de 2017

A República Democrática das laranjeiras








Na República Democrática das Laranjeiras, havia laranjas demais. Tanto os espaços públicos quanto os quintais estavam abarrotados de laranjeiras. A fruta estava por todo lugar devido a excessiva abundância. Portanto, esta fruta não tinha valor algum no mercado. A lei da República Democrática das laranjeiras sequer mencionava a fruta em suas normas, no seu código civil ou penal. Os cidadãos não se preocupavam com esse produto, pois não tinha nenhum valor, não era passível de furto nem, nunca, sugeriria um latrocínio! Quem praticaria um crime para ter o que havia para todos?






Certo dia as laranjeiras começaram a morrer. Alguma praga as atingia. Como havia em abundância, não houve maiores preocupações. Com o tempo, elas passaram a rarear. Sobraram apenas algumas árvores que produziam essas frutas. Dez famílias ainda as possuíam em seus quintais.



Passados vários meses, aconteceu o impensável! Uma dessas famílias teve seu pátio invadido e algumas frutas furtadas. Caso raro! Por que teria acontecido isso? As dez famílias se reuniram para discutir o caso. Perceberam que no país, só havia dez famílias proprietárias das únicas laranjeiras da nação! Perceberam sua importância: únicas proprietárias! Aumentaram seus muros. Contrataram seguranças e passaram a vender as laranjas. As vendiam abertas, sem as sementes! Queriam continuar os únicos proprietários. Enriqueceram.





As dez famílias ricas compraram seus deputados e senadores. Estes, criaram leis. As novas leis criaram novos tipos de crime: furtos de laranjas, roubo de laranjas simples e qualificado. Também não esqueceram de criar o latrocínio por laranjas! No início, as penas eram dentro da média de outros crimes similares. Com a crescente importância das laranjas, a coisa piorou. Roubo de laranjas qualificado e latrocínio por laranjas, tornaram-se crimes hediondos. Prisão em regime fechado em sua totalidade. Havia estudos até de pena de morte.



A República democrática das Laranjeiras, tornou-se altamente violenta. Antes destas leis não havia quase crimes.  Agora crimes é o que mais há. Ao criarem os tipos penais já citados, por consequência, criaram os respectivos criminosos! 



Consumir laranjas tão desejáveis e raras, só com o porte da nota fiscal! As dez famílias, hoje donas da República, eram muito exigentes. Cobravam a lei a risca! Queres laranja? Compra! Faça por merecer! Trabalha, economiza, faça empréstimo!



A violência não parava de crescer. As dez famílias abastadas começaram a doar equipamentos e armas para a polícia. Esta, imensamente grata, cuidava de forma especial os laranjais destas famílias. Os políticos financiados por elas, aumentavam salários e verbas para as forças de repressão.  O presidente da República Democrática das Laranjeiras, tinha muito suco de laranja em sua mesa. Era, inclusive, parente das abastadas famílias.



Os cidadãos desta nação se revoltaram. Ora, quando tinham laranjas demais, eram muito mais felizes. Agora, são espoliados para poderem usufruir das frutas que eram de todos! Como foi possível ficar para dez famílias, o que era de todas as famílias? As ruas estavam tensas, murmúrios e sussurros falavam em greves e levantes.



 Laranjas para todos! Que todos tenham o direito fundamental de ter ao menos um pé de laranja em cada quintal! Para cada boca, uma laranja!



As dez famílias estavam desconfortáveis. Os revoltosos não se calavam. Dia e noite a mesma ladainha! Para cada boca uma laranja!  



Então as famílias abastadas falam com o comandante da polícia.



Depois desta conversa, o comandante dá um golpe de estado e se torna o presidente/comandante da nação. As laranjas são salvas nos quintais das dez famílias. Os presídios lotam.



As pessoas voltam para suas casas sem laranjas. Agora também é crime hediondo o tráfico de sementes de laranjeiras. Laranjas não são para todos, só para os que se esforçam e podem pagar.



Alguns cidadãos revolucionários, extremamente perigosos e procurados pela polícia da República, tiveram uma ideia radical. Traficaram sementes de laranjas de países distantes. Nas madrugadas frias da República, começaram a plantá-las nos quintais abandonados. Também nas margens dos riachos em lugares de difícil acesso. Nas matas, nos morros, nas casas abandonadas! Onde houvesse terra, estava sendo plantadas laranjeiras.





Intelectuais das universidades, revolucionários e corajosos, ensinavam como plantar estas sementes, como cuidá-las. Pessoas desconhecidas cuidavam os lugares de plantio. Sociedades secretas faziam proliferar a campanha do plantio criminoso de laranjeiras. Quando alguns destes eram presos, outros tantos continuavam o trabalho. O tráfico de sementes se tornou epidêmico e ninguém mais pode controlar.



As dez famílias perderam o poder. O governo caiu.  As laranjas hoje são comuns. Todos podem tê-las e não valem mais nada. Há jurisprudência farta que afirma que as leis sobre as laranjas já não têm sentido. Não existem mais furtos e roubos de laranjas na República Democrática das Laranjeiras.



Mas dizem que estão tentando destruir os abacates! E que quando estes forem raros... tudo de novo!