sábado, 5 de maio de 2018

O discurso de ódio não é um discurso.








Vou focar no termo já popularizado: discurso de ódio. Para tanto, vamos precisar de algumas reflexões antes.



O discurso é uma sequência de ideias, uma ordem (quando falado ou escrito) que segue normas gramaticais e (segue sempre em qualquer forma de discurso) a um encadeamento lógico. Assim é por que ele tem a intenção de comunicar, ou seja, de ser entendido pelo outro.  Vamos excluir do contexto deste artigo os loucos que falem sem nexo ou falam para ninguém.



Podemos imaginar que mentes sadias se auto-organizam para poderem discursar de maneira que as pessoas as entendam. Uma mínima (pré) organização mental é a condição de inteligibilidade dos discursos.



O ódio é uma vontade de morte. Pode ser uma morte simbólica ou de fato. Odiar é querer eliminar, é desejar que o objeto do ódio desapareça. Esse sentimento dói em quem o sente, e para afastar-se da dor, precisa aniquilar quem odeia. O sujeito odiento tem a mente desorganizada por que foca na destruição, no aniquilamento. É um desejo duradouro. O ódio é uma resposta irracional à percepção (geralmente imaginária) de uma amaça ao ego. Ou seja, o sujeito se sente ameaçado enquanto existir o que odeia.



Da onde vem o discurso? Da mente. Não é a boca que fala, nem é a mão que escreve. Estes são apenas instrumentos. Nossos sentimentos, nossa alma, nossa psique escrevem, agem, falam. Quem odeia, como afirmei antes, tem a mente revolta. É como um mar tempestuoso. Há uma desorganização dolorosa. O odiento sofre internamente com a existência do que odeia. Então, agride com palavras, gestos, enfim, de todas as formas que puder. Sabemos o que o odiento quer: a aniquilação. Mas não sabemos como o fará, pois a mente está desalinhada, está tempestuosa: é imprevisível.



Por isso o discurso de ódio é um caos. É contraditório e não linear. Cheio de raiva e vazio de conteúdo. Perguntar ao odiento por que ele odeia é uma temeridade. Quem pergunta poderá ser agredido. Isso por que o agressor sofre e está com a mente desordenada. Então, como responderá de forma organizada? Como o seu discurso será linear e compreensível? Quem odeia não pode explicar o ódio que sente, pois o ódio é caos mental. Por consequência, ele só pode aplicar o ódio agredindo. Não há como explicar com coerência (inteligibilidade) por que sente esse sentimento. O discurso de ódio é uma impossibilidade. Eu chamaria de atos (um ativismo) de ódio, nunca o classificaria como um discurso.



As mentes mais tranquilas podem discursar. Espíritos acostumados à disciplina da leitura e ao diálogo, discursam. Sujeitos habituados a dar tempo à audição e à compreensão, podem construir discursos. Fazer-se entender e entender os outros leva tempo. É algo que se aprende pela disciplina espiritual. Toda a empatia é democrática, é participativa e comunitária.



Os odientos convivem bem com outros odientos. Mas convivem melhor ainda com odientos com ódio pelas mesmas coisas. Caso odeiem coisas diferentes, podem acabar odiando uns aos outros.  



Quem odeia tem fé que possui a verdade. Os odientos tem certeza absoluta. Não duvidam nem questionam a si mesmos. A fé na verdade do seu sentimento negativo, não pode ser questionada. Afinal, o odiento não pode raciocinar sobre esse sentimento. Justamente: a sustentação do ódio está na desorganização, está no caos da mente. Justificar de maneira organizada e inteligível é esforço demasiado (mataria o ódio). Sozinhos, os odientos não conseguem superar a sua dor. Só na terapia. Só com muito cuidado e carinho, aos poucos, vão se desabituar do caos mental. Assim vão poder abandonar esse sentimento negativo de aniquilação.



Concluo pensando que o discurso do ódio não é um discurso. O ódio é um ativismo que não pode refletir sobre si mesmo. Acredito que discutir com estes sujeitos, sem a técnica das psicologias, é inútil. Eles não nos podem compreender. Estão em desordem mental, desabilitados à compreensão e aos argumentos. São contraditórios, incoerentes e raivosos. Isso por que já não podem mais ser diferentes disso. Tratar com eles não nos cabe. É serviço duro para os terapeutas mais experientes. Convém tratá-los com a dignidade que todo o ser humano merece, e com a distância necessária para não nos machucarmos.

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