terça-feira, 10 de março de 2015

Homens bomba. Terrorismo brasileiro.

Prof. Amilcar Bernardi



O que é a política? Há milhões de significados possíveis. Mas estes significados têm algo em comum: entendimento, diálogo. Claro, não podemos esquecer que a razão faz parte. Só há diálogo quando há a razão. A racionalidade e o diálogo são inseparáveis. Caso contrário, serão duas pessoas falando para as paredes, uma não entendendo (ou não querendo entender) a outra.
Lembrei-me agora das crianças que estão aprendendo a falar e já estão na pré-escola. Elas brigam muito. Afinal, querem os mesmos brinquedos e ainda não sabem negociar. E porque não sabem? Por que são aprendizes do diálogo. Elas não sabem ainda que apenas expressar seu querer não interfere no direito de querer do outro. Então, os quereres colidem e pimba! Um empurra o outro. Não é fácil ser criança entre outras crianças. Ninguém negocia nada, todos querem tudo. Faz parte do aprender a ser gente. Se os adultos se comportam como crianças é muito complicado. Não temos professores para adultos aprenderem a falar e a negociarem seus quereres. Só na pré-escola temos tais professores, mestres da negociação infantil.
O que é a política? Não é coisa para crianças, aprendizes do falar e do negociar. Não é coisa de quem prefere empurrar o outro sem conversa, embriagado por si mesmo, por seus desejos irracionais. Não é coisa para surdos e mudos espirituais. Enquanto os espíritos estiverem presos em seus corpos, entrincheirados sem quererem falar e ouvir, é guerra certa. Tenho medo desses surdos e mudos que não entendem o outro, mas querem ser por eles entendidos. São terroristas na política. Explodem tudo, fazem terra arrasada.
Estamos hoje cercados de terroristas, homens-bomba unilaterais. Se estão de um lado, explodem o outro. Pronto, sem explicações. Para estas caricaturas de politizados, alguém sempre está do lado contrário ao seu. Portanto, a política é uma guerra santa. Eles têm que explodir os infiéis que não aceitam seu deus ideológico. Estou aterrorizado. Tenho dificuldade de afirmar meu posicionamento. Quem estará ao meu lado? Será um terrorista? E se minha afirmação for pública, com certeza sempre haverá um homem-bomba cheio de ódio. Ele vai explodir-me ou a alguém que eu ame. Vai vasculhar minha vida para achar alguma falha, alguma forma de atingir-me.
Ouvi na televisão um especialista na contratação de empregados de uma grande empresa brasileira. Ele disse o seguinte: cuidado com o Face book. As informações que o cidadão postar lá podem ser usadas contra ele na hora de contratá-lo. Entendi bem a mensagem. Se o empregador ou o selecionador for um terrorista, ele vai explodir o candidato antes de conhece-lo. Um total fanatismo! Basta ler para explodir a pessoa. O terrorista pensa que não é nada pessoal, é apenas uma faxina ideológica.
O que é a política? Não sei bem. Mas posso afirmar que não é fanatismo nem ódio.

A elite brasileira está produzindo terroristas políticos. E estes estão proliferando mais que vírus. A elite ainda não sabe. Alguns seres microscópicos criados pelo homem, matam seu hospedeiro. Ou seja, o próprio homem. 

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Democracia semidireta

Prof. Amilcar Campos Bernardi

A democracia semidireta, como diz o nome, é um regime democrático de governo. O que o faz semidireto é que se mantêm as formas indiretas de decisões junto com as formas diretas, ou seja, com
consulta popular pelo voto.  Esse sistema tem a vantagem de valorizar a soberania popular. Isso repercute na forma de educar o povo, que terá que lidar com a possibilidade da alienação, o que prejudicaria as tomadas de decisões onde pesem a vontade popular. Também é relevante a extensão do país, pois quanto menor melhor será a eficácia desse sistema. Podemos resumir dessa forma a democracia semidireta: é uma forma de gestão governamental onde se admite a utilização esporádica da intervenção direta dos governados em determinadas deliberações.
A Suíça é um bom exemplo desse sistema. Na Suíça há uma clara intenção de que toda a população possa participar de forma direta nas decisões. Para isso, há frequentes plebiscitos, nacionais e regionais. Sendo o país pequeno, se comparado ao Brasil, é possível esse trato direto com os populares. Na Suíça, por exemplo, se um “Cantão” não aceitar o que os demais votaram a favor, fica desobrigado a seguir o que foi decidido. A frequência com que a população é consultada é muito alta se comparada com a do nosso país. Pelo menos quatro vezes por ano, os cidadãos suíços recebem envelope com documentação fornecida pela Confederação, pelo cantão ou pela comuna, em que se lhes solicita opinião sobre um ou mais assuntos. Evidentemente que não podemos comparar essas realidades com as nossas, pois nossa extensão territorial é enorme, além de termos um contingente populacional muito grande.
A democracia semidireta se materializa através dos seguintes instrumentos de participação popular:

- O Referendo: No Brasil podemos chamar essa consulta de referendum ante legem, pois a participação é anterior a promulgação da lei. Aqui pretende-se conhecer a vontade dos cidadãos antes de promulgar alguma lei. A diferença entre este e o plebiscito é a questão da anterioridade da sua propositura.

- O Plebiscito: O Plebiscito é um pronunciamento popular direto, sem intervenções estatais, é uma questão apenas de aprovação ou rejeição. Distingue-se do referendo porque seu “tempo” é posterior à criação do ato legislativo; ou seja, é convocado posteriormente. Ao povo caberá ratificar ou rejeitar.

- A iniciativa popular é o direito que os cidadãos brasileiros têm de apresentarem projetos de lei para serem votados e eventualmente aprovados pelo Congresso nacional. Para os cidadãos apresentarem um projeto de lei é necessário a assinatura de 1% dos eleitores do país (cerca de 1,2 milhão), distribuídos em pelo menos cinco Estados brasileiros. Pode parecer um número muito alto, mas não é impossível obtê-los. A iniciativa popular é a capacidade da população propor formalmente um projeto de lei que seja do seu interesse, afinal, o plebiscito e o referendo, nesses termos, são muito limitados.

- O Recall: É um instituto inexistente no Brasil, porém, bastante conhecido nos Estados Unidos. Por ser algo novo, há ainda divergências sobre seu conceito e abrangência, porém, podemos dizer que é a participação popular que controla os mandatos eletivos. Se o mandato contraria o desejo dos cidadãos, estes podem intervir nesse mandato extinguindo-o. O recall é uma forma de participação semidireta onde determinado número de eleitores manifestam sua insatisfação com seu representante. Este será “convidado” a demitir-se ou poderá ser afastado do cargo definitivamente. Na América latina acontece sob o nome de referendo revocatório, o recall esta previsto na Venezuela.

- Veto popular: é mais um instrumento popular para administrar o poder dado aos eleitos. A população tem a faculdade de manifestar-se contra uma medida ou lei juridicamente perfeitas. Para isso um número de pessoas solicita que a lei já publicada seja submetida ao “julgamento” popular, podendo ser rejeitada. Podemos perceber aqui a força deste instrumento, pois algo juridicamente perfeito, poderá ser rejeitado. Resumindo podemos dizer que é um instrumento da democracia semidireta por meio do qual o povo pode vetar uma lei já aprovada ou revogar uma decisão jurídica do legislativo. Não existe no Brasil, sendo utilizado em alguns estados norte-americanos.


Referências
Bonavides, Paulo. Ciência Política, 14ª edição. Malheiros editores; 2007.
Boletim jurídico (Consultado em 15/05/2014) http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1964

RESENHA DO LIVRO CIDADANIA NO BRASIL: O LONGO CAMINHO. JOSÉ MURILLO DE CARVALHO

Prof. Amilcar Bernardi


Para entendermos a gênese da “cidadania” no Brasil, é necessário fazermos uma viagem no tempo.
Precisamos voltar a nossa “infância“ enquanto país que foi “descoberto” e colonizado. Desde o ano de 1500, Portugal extraia matérias primas do Brasil. Seu principal interesse era econômico. Mesmo não sendo a principal intenção, criou uma cultura que se expressava numa linguagem própria (mistura do português com as línguas nativas e sofrendo também a influência das linguagens dos escravos) e na religiosidade (novamente uma mistura das religiões indígenas, africanas e com o catolicismo Europeu). As elites sofriam maior influência da metrópole, tanto no português lusitano quanto na visão de mundo. Mesmo no início do século XVII, ainda não havia se consolidado no Brasil o sentimento popular de uma unidade numa nação. As populações eram analfabetas num contexto de escravidão e de afastamento da vida política. O interesse pelo mando nesse período estava nas classes proprietárias de terras ou nas mãos dos grandes mineradores. O poder público incipiente era exercido de maneira privada. Não havendo um sentimento de igualdade perante a lei, não podemos ainda falar de uma cidadania.
A independência em 1822 não trouxe significativa mudança nesse quadro.  Ela foi uma independência negociada entre as elites (elites brasileiras, portuguesas e inglesas). Houve pouco envolvimento popular e, portanto, poucos conflitos armados. As grandes capitais da época manifestavam mais uma revolta ao jugo português que um desejo de independência. O que ratificou a independência foi a intenção das Cortes Portuguesas retomarem ideais coloniais num Brasil já com bons níveis de autonomia comercial. Quanto ao interior do país, só meses depois souberam que o Brasil tornara-se independente de Portugal.
O Brasil independente continuava uma monarquia escravagista. A Constituição outorgada (1824), inspirada pelas ideias do liberalismo francês, teve poucos avanços nos direitos políticos, mas mantinha limites às liberdades civis. Mesmo ainda com ranços absolutistas (exemplo: Criou o Poder Moderador) era bastante liberal para a época. O direito ao voto era bastante amplo, mesmo que esse direito estivesse vinculado a renda dos votantes e fossem excluídas as mulheres e, obviamente, os escravos. Também é importante lembrar a grande frequência com que aconteciam eleições, pois os mandatos dos juízes de Paz e vereadores eram de dois anos. Quando um deputado morria era votado outro além de a Câmara dos deputados ser dissolvida com freqüência. Mas isso fazia das pessoas cidadãs? Não, pois, como já foi dito, a grande maioria da população era analfabeta. Nas grandes áreas rurais, as pessoas eram controladas ou influenciadas pelos grandes proprietários. Por sua vez nas cidades, os funcionários públicos eram influenciados pelo governo. Além disso, nos grandes centros urbanos, a violência na captação de votos, a corrupção na apuração aliada a espontânea venda do voto eram atitudes corriqueiras. A ideia de pertencer a uma pátria soberana passava longe da maioria absoluta das cabeças dessa época.
Em 1881 foi instituído o voto direto com uma exigência de renda de 200 mil réis. A renda não era o maior empecilho a cidadania. O problema era a proibição do voto ao analfabeto. Ora essa proibição acontecia num Brasil onde no máximo 15% por cento da população era alfabetizada Em 1886 foi excluído 80% do eleitorado.  A proclamação da República (1889) não trouxe alterações significativas. A principal mudança no voto era a revogação da exigência da renda, mas mantinha-se a exclusão do analfabeto. Além disso, mulheres, mendigos, soldados e religiosos não votavam também. De 1889 a 1930 (Primeira República) não houve grandes mudanças. Foi adotado o Estado Federativo, onde cada Estado passa a ter seu Presidente. A descentralização aproximou o governo da população, mas abriu espaço para os “coronéis”. Eles se aliavam aos presidentes em nome das oligarquias. As fraudes nas eleições mantinham-se como algo comum. Veja que além das limitações ao voto, as fraudes ainda orientavam os resultados! A grande verdade era que o povo sabia manifestar-se de maneira “não-formal”, em movimentos mais ou menos violentos. A formalidade e o conceito do voto eram impedidos de se desenvolverem. Mas, quando a população sentia-se invadida nos seus interesses mais próximos do dia a dia, nos seus valores morais ou religiosos, as pessoas se manifestavam. As pessoas livres (os não escravos) com direitos civis limitados e direitos sociais precários, como desenvolveriam uma sensibilidade política? Só o tempo e as lutas produzem cidadania. Outro elemento cultural importante é a escravidão. Homens escravos cruzavam as ruas naturalmente, amamentavam as crianças, iam às compras para as senhoras e as escravas dormiam com seus donos. Como desenvolver um sentimento de cidadania? Mesmo o positivismo já fundamentado na Europa, não chegava ao Brasil que é tão grande: encalhava nas elites e não podia espraiar-se numa população sem escola e com uma imprensa limitada em recursos. Além disso, num país com um forte espírito religioso, até os padres possuíam cativos.
No século XIX e início do século XX, as populações eram predominantemente rurais. Viviam ou dependiam dos latifundiários. Nessas grandes extensões de terras a lei era o dono, o coronel. O Estado lá não chegava. O privado e o público se misturavam porque os agentes da justiça e da lei eram patrocinados pelos grandes senhores de terras. Estava acima do Estado. Ao povo cumpria servir ao aos Coronéis. Os direitos políticos eram extremamente limitados por esse ambiente e pela ignorância popular desses direitos. Exigir que as pessoas fossem conscientes no seu ato de votar, que fossem lúcidas nas suas concepções da lei e da ordem, era exigir demais nesse contexto. Mesmo as cidades não viviam ambiente propício ao exercido da cidadania. Os operários trabalhavam em longas jornadas de trabalho num ambiente de repressão. Inclusive o Governo entendia como questão de polícia as greves. Havia grupos mais independentes que aceitavam o diálogo com patrões e governo. Outros, influenciados pelos imigrantes, eram mais radicais embasados nas teorias anarquistas. Também surgiu o Partido Comunista do Brasil com outras diretrizes. Ao mesmo tempo em que essas divisões enfraqueciam os operários, ajudou num avanço sob o ponto de vista da cidadania. Lutavam por melhores condições de trabalho, maior liberdade e por uma legislação trabalhista.  Os avanços para uma consciência política foi mínimo. Os interesses que predominaram nas classes operárias foram a parceria com o Estado para uma melhoria de salários, condições de trabalho e mais liberdade, inclusive com o reconhecimento dos sindicatos. Não podemos deixar de levar em consideração que em 1920, só 24% da população sabiam ler e escrever. Ainda o voto era impedido aos analfabetos. Claro que, como já disse isso, fora da legalidade/formalidade o povo se manifestava. Por exemplo, entre outras revoltas, a de 1922 (o movimento dos oficiais do Exército). Essas rebeliões que vem desde o século XIX, não eram realizadas por simples bandidos ou loucos. A rebeldia, geralmente violenta, era a resposta do povo – mesmo que imediatista - ao andar da política quando ela os atingia. Talvez aí esteja a gênese da consciência popular de que somos sujeitos de direitos além dos deveres.
No ano de 1930 desencadeou-se notável avanço político. Os avanços sociais tiveram melhoria materializada nas leis que passaram a reger o trabalho.  A CLT demonstra a luta na área política para que fosse possível a qualificação das relações trabalhistas.  Ditaduras e regimes democráticos alternavam-se.  De 1937 a 1945 Getúlio Vargas manteve uma ditadura populista. Nessa fase os direitos civis estavam fragilizados e os sindicatos estavam atrelados ao Estado. Caindo Vargas, retoma-se a democracia. O voto popular teve peso e as fraudes diminuíram.
A partir de 1930 crescia o nacionalismo e o monopólio do petróleo tornava-se uma bandeira forte de luta de grande parte dos intelectuais e de amplos setores da população. As oligarquias regionais sofrem com esse novo contexto. Surge aos poucos uma identidade nacional aliada a fatores externos como a grande guerra e as dificuldades oriundas da quebra da Bolsa de Valores de Nova York. O governo central se fortalecia deixando as Oligarquias com menos poder. Os intelectuais reformistas acreditavam que o federalismo alimentava as oligarquias e vice-versa. Era então preciso fortalecer o poder central.
Desde 1920 quando era oposição a Júlio Prestes, Getúlio Vargas já falava em voto secreto, representação proporcional e combate às fraudes. Mesmo com essas bandeiras o povo estava apenas aprendendo a politizar-se. As elites oligárquicas ainda davam as cartas. Nas diversas revoltas até a queda da Primeira República, os civis participaram nos levantes de forma crescente. No Rio Grande do Sul houve um acalorado debate e um entusiasmo cívico relevante. Podemos dizer que as populações não foram apenas observadoras, mas também não tiveram influência sempre decisiva nos acontecimentos nacionais. O exército nunca esteve a favor das oligarquias. De certa forma ele agia num contexto de debates civis. Os oficiais não tinham origem nobre ou de grandes recursos. Os militares disputavam poder com as oligarquias. Orientados pelo pensamento positivismo, os oficiais pensavam em fortalecer o Estado para que a “ordem e o progresso” fossem possíveis.
As revoltas civis e militares de 1930 a 1937 demonstram que a organização dos movimentos políticos e a participação política da população estavam bem desenvolvidas. Havia muitos sindicatos e inúmeros partidos políticos. Nas eleições de 1933 houve grande progresso nas leis eleitorais.  O voto foi secreto, as mulheres votaram e criou-se uma justiça eleitoral. As oligarquias estaduais tiveram sua influência diminuída. Getúlio Vargas foi confirmado pela constituinte como presidente. Vargas optou por uma constituição de cunho mais liberal. A luta política recrudesceu. Dois grandes partidos políticos surgiram.  A Aliança Nacional Libertadora e a Ação Integralista Brasileira. Ambas mobilizavam as massas, queriam fortalecer o governo central, eram contra o liberalismo e queriam reformas econômicas e sociais. As classes médias foram chamadas a luta política. A tensão chegou a tal ponto que em 1937 veio o Golpe. O povo assustado com o “perigo comunista” e as propostas varguistas de desenvolvimento econômico acalmaram o povo que não se opôs de maneira significativa ao golpe. Os avanços democráticos desenvolvidos até 37 eram ainda frágeis. Não conseguiu resistir ao regime ditatorial que permaneceu até 1945. As manifestações políticas foram suprimidas e a censura controlava a imprensa. O Estado Novo não queria o povo nas ruas.  Vargas promoveu enormes avanços sociais. Mas as tensões da sua ditadura o derrubaram em 1945.
A constituição de 1946 além de manter as conquistas sociais garantiu os direitos políticos. A constituição permitiu eleições regulares e a organização dos partidos políticos até 1964. Só o Partido Comunista permaneceu na ilegalidade. Também o direito a greve era severamente restrito. Vargas retoma pelo voto o governo em 1950. Retoma seu estilo populista e nacionalista.  Encontrou apoio dos sindicatos, dos trabalhadores, dos intelectuais e dos setores nacionalistas do Exército. A questão da Petrobrás mexeu com o povo.  Em nome dela reuniram-se amplos setores da sociedade civil, como universitários e líderes sindicais. A sociedade estava dividida. Estaria Vargas aliado aos comunistas? O exército também estava dividido.  Os setores ligados ao liberalismo e ao investimento externo no Brasil cerravam fileiras. Essas forças contrárias entre si cada vez mais se acirravam. Vargas acaba cometendo suicídio. Os impactos de suas idéias e de sua morte culminam num novo golpe, o de 1964. Novamente o medo do comunismo é usado como motivo para os militares assumirem o poder. Os avanços democráticos e a qualificação da cidadania sofrem forte abalo. São dez anos de lutas políticas e de perseguição implacável. Importante salientar que no momento do golpe, os trabalhadores rurais, posseiros e pequenos proprietários estavam politizados e organizados em ligas camponesas ou sindicatos. Era o campo entrando em contato com a cidadania. Era, portanto, mais uma ameaça ao status quo político.  As reformas de base eram assunto do dia num ambiente onde os analfabetos e os soldados não votavam. Os sindicatos propunham greves junto com UNE.  Mas outro movimento das classes médias surgia. O movimento pela família em nome de Deus. Não havia consenso. Sob o ponto de vista da cidadania, podemos dizer que a participação aumentava significativamente sendo bloqueada pelos militares em 1964. Para as elites era muito difícil aceitar a participação popular.
As elites oriundas das camadas civis e políticos que apoiaram o golpe ficaram surpresas.  Os militares não se contentaram em possibilitar o golpe, mas exigiram o comando, assumiriam o poder. A presença dos militares não é novidade na república brasileira.   A radicalização dos militares teve como importante componente, mas não único, a divisão que sofriam desde a época varguista.  A divisão ideológica ameaçava a corporação, a hierarquia.  O exercício do poder pleno poderia reunificar a corporação.  A capacidade de mobilização popular e a visão mais politizada já estavam bastante desenvolvidas em 1964.  Por essa razão, os direitos civis e políticos foram logo restringidos ao máximo. Os Atos Institucionais foram os instrumentos legais para a repressão. Do primeiro ao último ato institucional, a repressão foi sendo ampliada na medida da necessidade percebida o pelos agentes militares.  O primeiro AI cassou políticos, líderes sindicais, intelectuais e muitos militares. Os sindicatos mais ativos sofreram intervenções. Foram fechados a CUT e a UNE. Inúmeros Inquéritos Policiais Militares (IPMs) foram usados para perseguições a opositores do regime. Ainda era utilizado o medo do comunismo para justificar o golpe e as medidas repressores decorrentes.
Apesar de toda a repressão, na eleição estadual de 1966, o governo foi derrotado em cinco Estados. Este fato detonou o AI n0 2. A eleição direta para Presidente da República foi abolida e os partidos políticos foram dissolvidos. Criou-se o bipartidarismo. O direto de opinião foi duramente restringido. Dois anos depois, em respostam a greves e a manifestações populares contra a falta de direitos civis, foi decretado o AI n0 5. O congresso foi fechado estabelecendo-se a ditadura de maneira evidente. O habeas corpus foi suspenso para crimes que atingisse a segurança nacional. Com o General Médici foi implantada a pena de morte e a censura prévia. Grupos de esquerda tolhidos legalmente optaram pela clandestinidade adotando a guerrilha urbana e rural. Foram combatidos e derrotados. A máquina de repressão cresceu enormemente. Não era permitida a greve nem a liberdade de reunião. Partidos e sindicatos eram controlados pelo governo. Os militares contrários ao golpe foram expulsos das forças armadas. O domínio amplo.
A Igreja Católica por seu poder e prestígio foi muito importante na oposição aos militares. Grupos de jovens e setores católicos aproximados do marxismo lutavam criando consciência política nas camadas populares. A OAB e a ABIN são exemplos de organizações que também se opuseram ao governo. A oposição política mantinha-se no congresso que, na grande maioria das vezes, estava em funcionamento “normal”. A oposição havia sido abrandada, pois os opositores mais fortes haviam sido banidos da vida política. A ARENA por diversos ardis sempre se mantinha majoritária em detrimento do MDB. Este último mantinha-se em dilema: autodissolver-se (pois era apenas uma oposição obrigada a ser de fachada) ou continuar fazendo uma oposição abrandada, mas atuante. O MDB acaba fazendo oposição alertando sempre para os excessos do regime militar. Muitos deputados desse partido perderam seus mandatos.
O número de eleitores aumentou muito. Mas o direito político do voto não mudava a situação, por quê?
As classes médias estavam anestesiadas por um excelente crescimento econômico. Era a época do milagre econômico. Enquanto o crescimento estava em bons patamares, valia “a pena” trocar os direitos civis e políticos pelas vantagens econômicas. Para as classes mais simples houve a copa do México e a taxa de empregos em alta. As mulheres estavam atuantes no mercado de trabalho aumentando a renda das famílias. O comunismo era sempre lembrado como um fator que poderia “roubar” as vantagens econômicas. Claro que o problema das desigualdades sociais se ampliava, mas ainda não era evidente naquele contexto histórico. Os governos militares foram hábeis em mascarar a situação política. Qualificaram os direitos sociais. Criou-se o INPS onde o trabalhador passava a ter a aposentadoria, pensão e assistência médica garantidos. Surgiu também o Fundo de Assistência Rural (FUNRURAL) incluindo os trabalhadores rurais na previdência social. Compensando o fim da estabilidade no emprego foi criado o FGTS e para incentivar a compra da casa própria aparece o BNH. Mas com isso pretendia lesar o fortalecimento da cidadania, pois tentava a afastar a população das discussões sobre a política.
O milagre econômico não durou tanto tempo assim. Com a crise do petróleo o crescimento estava seriamente comprometido. Aliado a esse fator, com a eleição do General Geisel, subiu ao poder o setor dos militares que não tinha interesse em manter indefinidamente as forças armadas no poder. Esse grupo era liberal, não eram a favor da ditadura nem de uma democracia. Esse grupo entendia que o momento da redemocratização era agora, pois a situação econômica ia piorar muito. Também perceberam que os militares estavam fora de suas funções genuínas e estavam voltados para as questões do poder. Também os órgãos de repressão estavam fora de controle. A conjuntura desaconselhava a manutenção do poder nas mãos deles por mais tempo. Em 1978 o congresso findou com o AI número 5 e o fim da censura prévia. Na gestão do General Figueiredo foi votada a lei da anistia. No ano seguinte cai o bipartidarismo. Em 1980 é criado o Partido dos Trabalhadores. A partir daí os movimentos civis redobram forças. A teologia da libertação cresce nos movimentos religiosos de base. Inúmeros partidos são criados.  Os sindicatos têm liberdade e se articulam. Desde 1977 as greves acontecem onde o sindicalista Luis Inácio da Silva surge no cenário político. Em 1984 explode o movimento pelas “Diretas já”. Esse movimento foi uma mobilização política popular inédita no país. Foi aprendizado que ajudou na do Presidente Collor.

No Brasil, aconteceram primeiro as leis que contemplavam os direitos sociais. Somente após, surgiu a preocupação com a efetivação dos direitos políticos. Com isso a concepção de cidadania foi prejudicada. Num contexto de um Estado paternalista, a busca por um novo messias na política enfraqueceu as consciências, evitando uma luta eficaz pela consolidação de direitos. A população prefere apostar num executivo garantidor de alguns direitos para alguns. O legislativo e o judiciário aparecem no imaginário popular como figuras subalternas.  A figura do político profissional é desprestigiada como agente transformador da realidade. O político é visto como um mediador de favores junto ao executivo. Uma espécie de mal necessário. A cultura criada onde a busca de direitos excluem deveres, onde a falta de conhecimento aliou-se ao imediatismo, só o tempo poderá mudar. Será necessário o investimento forte na escolarização de fato, ou seja, realmente jovens e crianças aprendendo nas salas de aulas. 

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Epicurismo

Prof. Amilcar Bernardi


Para Epicuro o prazer rege o comportamento dos homens. Tendemos naturalmente ao prazer. Instintivamente fugimos da dor e procuramos o prazer. O ser humano ao buscar o prazer procura uma felicidade natural. Mas, segundo Epicuro, é impossível gozar todos os prazeres e evitar todas as dores. Desta forma só existiria o prazer possível. É necessário fazer uma ponderação e uma escolha inteligente.
Para Epicuro a infelicidade é típica do ignorante, visto não saber livrar-se dos temores, que sempre são infundados, nem saber calcular quando deve abraçar a dor e quando há de entregar-se ao prazer.A virtude, para Epicuro, por ser meio, é escrava do prazer e é alcançada pelos passos sucessivos expostos a seguir:
1.Inteligência, prudência - Ela proporciona o verdadeiro prazer e busca evitar a dor; nela radicam as virtudes, porquanto o discernimento dos verdadeiros prazeres é obra da reflexão, de uma regra de razão e cálculo. A prudência é superior à própria filosofia.
2. Calculismo - que consiste em ponderar o que realmente é vantajoso, pois, às vezes, se faz mister suportar uma dor, quando podemos auferir dela um prazer maior. Por esta razão, ninguém pode entregar-se, logo, aos deleites do prazer embora todo o bem e todo o mal só existam na sensação.
3. Autodomínio - Evita o que é supérfluo. Por este termo, Epicuro entende os bens materiais, a cultura sofisticada e a participação política.
4.Justiça - Deve ser buscada por causa dos frutos que produz. Justo é quem usufrui plena imperturbabilidade. A justiça, resultado de convenção social, foi estipulada, para que não haja prejuízos recíprocos entre os homens.
Segundo os epicuristas há um só tipo de relação social possível, a amizade. A amizade representa um bem precioso e torna a vida feliz. Ela (a amizade) sempre teve apreço especial de parte de Epicuro.


É como um programa para a busca e a conquista da eudaimonia, identificada com o prazer verdadeiro (hedoné) que o epicurismo desenvolve sua antropologia.  Ela se orienta no sentido de tornar possível no homem, o estado da imperturbabilidade (ataraxia), condição da fruição estável do prazer. Para tanto é necessário que a razão humana seja conduzida retamente, tarefa que compete à lógica ou “canônica” (kánôn) da razão; que o universo seja compreendido corretamente (...).
Em oposição ao intelectualismo platônico-aristotélico, Epicuro vai buscar inspiração no materialismo atomista de Demócrito, e a sua antropologia é, pois, rigorosamente, materialista. Lima Vaz, Henrique C. de Lima. Antropologia filosófica. Edições Loyola, São Paulo. 1991. Pág. 52



Seguindo o mesmo raciocínio busca-se a amizade não somente por motivos utilitários, mas, principalmente porque a amizade busca dar aos outros o que temos de riqueza e de bondade. Estas relações, mesmo nascendo da utilidade, são altruístas e nos tornam dispostos a nos sacrificarmos pelo outro.  Para os Epicureus a amizade é de suma importância, pois é um bem que proporciona felicidade análoga à usufruída pelos deuses. E mais, quando o homem está com a consciência tranquila, está em amizade consigo mesmo. Anda em boa companhia.
Amizade é o respeito à pessoa, Epicuro queria que cada um vivesse intensamente sua vida deixando os outros viverem as suas. Cada um devia ser senhor de si mesmo, dominando as paixões, dominando o destino.
Os epicuristas diziam que os sentimentos são dois, o prazer e a dor. O prazer é conforme a natureza e a dor é sua contrária. Escolhemos algo ou algo rejeitamos baseados nesses parâmetros.  
Na sua doutrina afirma que os males praticados pelos homens têm como causa o ódio, a inveja e o desprezo. Estes são elementos dominados pelo sábio por meio do raciocínio. O sábio não é um falastrão nem se envolve em disputas políticas. Entretanto, não desiste de sua filosofia, não trai os amigos e não dá importância se é rico ou pobre. 
A finalidade de nossas ações é nos livrarmos do sofrimento e do temor, atingindo esse objetivo desaparece toda tempestade da alma. Adverte o filósofo, a criatura não tem necessidade de buscar o que lhe falta, sentimos necessidade do prazer somente quando sofremos pela ausência dele. Os prazeres não são iguais. Alguns nos proporcionam um aborrecimento maior. Também alguns sofrimentos são superiores aos prazeres. A submissão aos sofrimentos por um longo período nos traz como consequência um prazer maior.
Nem todo o prazer deve ser escolhido nem toda a dor é um mal!  
É preciso uma espécie de cálculo. Arroz e feijão é melhor que qualquer outro alimento para quem tem fome! Esta lógica deixa claro que Epicuro não quer a voluptuosidade ou gozos sensuais somente, quer entender o prazer como ausência de sofrimento no corpo e ausência de perturbação na alma.   E´ um cálculo sóbrio que investiga as causas das escolhas e das rejeições. Para aclarar as decisões utiliza-se da sabedoria, a filosofia. Ela ensina que não se pode levar uma vida agradável se não se vive com moderação e justiça. Não esquecendo que Epicuro considerava as dores da alma piores que a do corpo. A carne sofre apenas no presente, a alma sofre pelo presente, pelo passado e pelo futuro. Seguindo esta lógica, por consequência, os prazeres da alma são maiores que os do corpo.

A ética epicurista, assim como a estoica, postulava como princípio básico a felicidade (eudaimonia), obtida pela tranquilidade ou imperturbabilidade (ataraxia), porém divergia dos estoicos quanto ao caminho para chegar a essa felicidade. Os epicuristas valorizavam a inteligência prática (phronesis), considerando não haver conflito entre razão e paixão. O homem age eticamente na medida em que dá vazão a seus desejos e necessidades naturais de forma equilibrada ou moderada, e é isso que garante a ataraxia. (...) Ao contrário, a ética epicurista prega a austeridade e a moderação, mas não a supressão dos prazeres e desejos que são expressões de nossa natureza.  Marcondes, Danilo. Iniciação à história da Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein, Rio de Janeiro, 2004. Jorge Zahar Editora. Pág.93

Epicuro cuidava da alma. O discípulo Diógenes resumiu a sabedoria do mestre em quatro “remédios” de cunho bem prático: 1) Os deuses não devem ser temidos; 2) A morte não deve amedrontar; 3) O bem é fácil de ser obtido; 4) E o mal, fácil de suportar.
Mesmo reportando-se ao prazer, não é possível confundir o epicurismo como hedonismo.  O epicurismo não quer o prazer imediato e como valor em si mesmo. O prazer dito por Epicuro não é, como já deixamos claro, ceder as paixões e usufruí-las à exaustão.


Palavra formada a partir do grego, edonê, que significa prazer. O hedonismo é uma doutrina que defende que o prazer é o meio correto para atingir o objetivo supremo do homem, a saber, a felicidade; felicidade esta que tem como essência precisamente o prazer. A moral, para o hedonista, deve ser ordenada segundo o modelo que é dado pela busca do prazer, quer dizer, é considerado moral tudo aquilo que dê prazer e imoral tudo o que faça sofrer. Esta doutrina resulta da observação de que todos os seres buscam o prazer e tentam escapar ao sofrimento.


segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

O Funk é feio!


Prof. Amilcar Bernardi


Não gosto de Funk. Eu acho esse gênero musical uma coisa. E mais, uma coisa feia. Não refiro-me a melodia. Mas ao contexto visual. Estou deixando-me levar pela sensação estético-visual. Claro, estou vendo o funk do lugar social onde vivo, é obvio. Não creio ser preconceito meu, apenas um fato social: estou vendo esse gênero musical através da minha formação, da minha socialização, enfim, do meu jeito. Não convido ninguém a concordar comigo.
É uma coisa feia. Homens e mulheres dançando do mesmo jeito, lembrando sempre uma sensualidade grotesca. Uma sensualidade instintual-sexual. Quando vejo uma foto de um nu artístico, por exemplo, é uma sensualidade bonita aos meus olhos. Portanto, não estou criticando a nudez ou a sensualidade. Não sou puritano, longe disso!
Vejo um apelo grotesco àquilo que nos faz animais. Opa! Estou ofendendo alguém? Não! Somos animais sim. Temos um cérebro reptiliano que é pura animalidade. Claro, está envolto pelo neocórtex, uma invenção social. O que quero dizer é que o funk é dançado pelo cérebro reptiliano. Sim, ele fica toda excitado e estimulado. Aqui não faço juízos morais e sim estéticos. Ver pessoas investindo no que temos de ancestral-sexual é feio, muito feio. Cada pessoa que vejo é bonita. Lindos corpos em roupas legais. Entretanto, tornam-se feias. Não vejo harmonia nos movimentos, nem sensualidade delicada.
Convém lembrar aos leitores que o Cérebro Reptiliano controla o lado mais animal e instintivo do ser humano. Todo o mamífero o possui. Relaciona-se às emoções. Já no Neocórtex, camada mais externa e genuinamente humana, opera o raciocínio.
Homens e mulheres lindas são prazerosamente admiráveis. A questão não é essa. O “buraco é mais embaixo”. A questão é a feiura com que apresentam os corpos bonitos e saudáveis. A elegância está longe dali. A delicadeza está longe dali. No funk nada é insinuado, tudo é demasiadamente expresso. Nele não podemos ver as curvas delicadas de uma mulher num decote generoso. Não é possível imaginar aquele corpo semiescondido por uma roupa justa. Não! No Funk vê-se bundas e peitos, diretamente. Sem enredo nem poesia. É brutal, é sensorial. Eu diria que todo o Funk é ostentação. Ou ostenta corpos ou ostenta a tão sonhada riqueza. Talvez ostente ambos.
É um mundo feio para meus olhos. Um mundo falso. Falso porque mente que a grosseria da beleza física leva as pessoas para a ascensão social. Apelar para o cérebro reptíliano é manter-se onde está... ou pior, é retroagir à milhões de anos atrás na evolução humana.

domingo, 28 de dezembro de 2014

Os sofistas e sua sabedoria


Os Sofistas eram sábios. Eram especialistas em determinadas áreas do saber e, com certeza, especialistas na retórica. Portanto, não eram tidos como filósofos, mas como pessoas escreviam bem e ensinavam. Eram percebidos como quem tinha muito conhecimento a transmitir.
Eram muito procurados e faziam “sucesso” entre os jovens. Cobravam por seus ensinamentos e não procuravam a verdade. Por isso, a palavra "sofista" começou a ser utilizada em sentido depreciativo. A palavra passa então a ser utilizada no sentido de charlatão ou mentiroso.
Sócrates foi um dos principais responsáveis pela má fama dos sofistas. Apesar disso foi muitas vezes confundido com eles. Ao contrário dos sofistas, Sócrates dispensava gratuitamente o seu saber a quem dele necessitava - achava vergonhoso vender o saber na praça publica. Sócrates os via como mercadores, que elogiam os produtos que vendem mesmo sem saberem se são bons ou não e que adequavam seu produto ao gosto dos compradores.
Como era hábito, e Sócrates usava o mesmo local,  os sofistas ensinavam em locais públicos mais frequentados. Algumas vezes nas casas particulares dos que os podiam acolher. Eram viajantes de cidade em cidade.
 Os sofistas aprendiam tudo o que podiam em suas andanças, notadamente interpretava os poemas de Homero.
Na democracia ateniense todo o cidadão era chamado a participar da vida política, a ir a Àgora defender o interesse da polis. Isso justifica a importância que assumem os sofistas. Eles oferecem – recendo por isso -  o ensino da virtude e técnica. 
        Os Sofistas vieram suprir a necessidade de fazer política naquele contexto histórico.             Antes deles não havia quem ensinasse a retórica, a arte dos argumentos 

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

O trabalho no capitalismo

Prof. Amilcar Bernardi

O capitalismo possui algumas características que o diferenciam dos demais sistemas econômicos.  Uma das características se  refere a produção de mercadorias. Aqui podemos ressaltar que os produtores não têm interesse imediato no valor de uso do que foi produzido, mas sim, em seu valor de troca.  Este valor (para as trocas) não tem limites. Ele vale o tanto que as pessoas desejam que ele valha. 
 
Dizemos valor de troca por que o dinheiro arrecadado com a venda de um produto é desejável porque pode ser trocado por outros produtos (na medida do tanto que os desejo). 
 
No capitalismo, portanto, produzimos não porque precisamos diretamente do que foi produzido, mas produzimos em vista de outros produtos que desejamos. Dessa forma, até o trabalho humano torna-se mercadoria (vendo meu trabalho para obter produtos). Tudo se volta para a produção não como um fim em si mesmo, mas para trocas. Inclusive, na sociedade capitalista, somos obrigados a travar relações com pessoas que não conhecemos, para que possamos vender nossa mercadoria-trabalho ou para fazermos trocas impessoais.  O que nos liga às pessoas estranhas neste caso? Meu valor de trabalho como mercadoria ou o tanto que prometo trocar mercadorias com elas.
 
Mercadorias se comunicando com mercadorias. 
 
Ora, para que vendamos nosso trabalho, é preciso que os meios de produção não sejam nossos; e que quem os possua compre (da forma mais barata possível) nossa capacidade de trabalho. Sem a propriedade privada dos meios de produção não pode haver essa relação. O capitalismo, portanto, precisa que alguns poucos tenham a propriedade dos meios, e outros tantos tenham apenas a capacidade de trabalho. 
 
Todos não podem usufruir igualmente da propriedade. 
 
A partir daí, os proprietários não precisam mais descer ao chão das fábricas. É suficiente gerenciar o que lhes pertence. Esse gerenciamento faz com que o excedente produzido pelo trabalho alheio seja apropriado pelo capitalista de forma crescente. 
 
A partir da Revolução Industrial os trabalhadores não tiveram mais controle algum sobre o produto do seu trabalho nem sobre os meios de produção.
 
 
Outro elemento importante nos primórdios do capitalismo, é a ideia de que o trabalho comprado do trabalhador tem que valer a pena, ou seja, aquilo que o trabalho produz gere excedente ao empregador (e quanto mais, melhor). O salário do trabalhador não pode consumir o valor do que ele produz. Então, para que haja excedente, a maioria das pessoas vivem com salários insuficientes para seu próprio sustento. 
 
 Para o capitalismo radical, não é interessante que todos estejam empregados.
 
No capitalismo sempre houve o fenômeno do desemprego. Quanto maior a oferta de trabalhadores, menor a remuneração. É a lei da oferta e da procura. Além de manter uma grande oferta de pessoas, o medo faz com que o trabalhador tenda a aumentar sua jornada de trabalho na tentativa de receber um pouco mais ou de se manter na empresa. A pessoa perde a autonomia, não mais é dona de si mesma. 
 
Com a novidade do trabalho em casa (teletrabalho) e da tecnologia robótica, além da ameaça de redução dos direitos trabalhistas, a realidade tende a ser a drástica redução da liberdade de escolher a hora de trabalho, da capacidade de negociar salários e do ritmo da produção.
 
Lembrando que nem falamos do capital especulativo que não gera vagas no mercado de trabalho. 

Se o trabalhador é mera mercadoria, poderá estar com seus dias contados.

Mas, ele é mesmo só uma mera mercadoria? Sem o trabalhador bem remunerado, haverá trocas de mercadorias? Sem consumidores, haverá o capitalismo?
 
Fica a reflexão.