quarta-feira, 31 de maio de 2017

A virtú e a fortuna na política brasileira.


         Prof. Amilcar Bernardi
         Obs.: Escrito no início de 2017.
    
      É muito comum governos que estão fragilizados economicamente e/ou politicamente, aventurarem-se em guerras com outras nações para unificarem seu povo em outro foco. A história é farta destes exemplos. Essa união tenderia a favorecer estes governos, uma espécie de “pausa” na reflexão econômica e política quando fracassadas. Uma pausa motivada pela exacerbação de um nacionalismo mítico. Geralmente não dá certo.
    
      Unir o povo em sentido contrário aos problemas nacionais, portanto, é uma prática antiga e também atual. Maquiavel alertava que o povo pode ser conduzido, mas por pessoas especiais, os príncipes de virtú.  Virtú é a capacidade que o condutor do Estado teria em controlar os acontecimentos através de estratégias. Entretanto, a história é imprevisível e a fortuna comanda metade da nossa vida. Entendamos aqui fortuna não como dinheiro, claro; mas como sorte, boa ou má sorte. Portanto, quem se lança no mar da política pode até contar com muitos conhecimentos e tecnologias, mas com certeza, não poderá controlar a vontade do mar.
    
      O PT nestes anos de governo não conseguiu unir as esquerdas, nem dentro da sua própria sigla. Não teve a virtú necessária. A oposição cresceu e aventurou-se a disputar o poder. Aproveitou o cenário econômico desfavorável, a mídia tendenciosa e emplacou o impeachment. Mas, a fortuna é o lado da história que não é controlável. Temer uniu as esquerdas melhor do que o PT sonhou fazer. Efeito colateral que ele (Temer e aliados) não previu. Não teve sabedoria para tal.
    
      Não foi preciso criar uma guerra externa nem nenhum factoide maluco para unir as pessoas numa luta. A direita fez isso. Maquiavel já afirmava: “Mas a ambição do homem é tão grande que, para satisfazer uma vontade presente, não pensa no mal que daí a algum tempo pode resultar dela. ”
    
      O mal da ambição do PSDB, PMDB e associados é a união das esquerdas. Resta saber se a maré que está a favor delas manter-se-á por muito tempo. Terão as esquerdas virtú? Ou fracassarão?
    
      Que soprem os ventos nestes mares tumultuados da política brasileira!



sexta-feira, 14 de abril de 2017

Antígona de Sófocles

Considerações possíveis sobre a obra Antígona, de Sófocles
Prof. Amilcar Bernardi

A questão que se apresenta nesta obra é a verdade da lei, da norma. Essa questão sempre foi constante na história do homem. Homem como sujeito que vive em sociedade. O problema de ser um entre muitos é uma crise constante e complexa. Como não podia deixar de ser, a tragédia grega aqui comentada, traz essa questão de forma absoluta e irredutível: se a personagem Antígona está correta, Creonte não estará e vice-versa. Personagens antípodas. Portanto, sem meio termo; irreconciliáveis.


Antígona defende a cultura do seu tempo e do seu povo. Representa a cultura mais antiga e arraigada: a existência de uma verdade que está acima dos homens, intocáveis por estes. São válidas somente estas normas, baseadas nos princípios metafísicos. Elas são coerentes com a existência das divindades, de um plano divino. Antígona é filha do seu tempo e coerente com ele. Defende a tradição ainda viva.  Ela, por consequência, não está em condições de sequer avaliar a possibilidade de aceitar as reflexões do Creonte. Estas reflexões são humanas demais, colidem com os desígnios dos deuses e fazem a personagem sofrer ao manter insepulto seu irmão.

Antígona ao defender seus argumentos, faz eco à crença popular. Povo que já murmura contra seu rei. Isso demonstra que, para eles, a argumentação legítima é a dela; desconfiam que ilegítimo é Creonte. Antígona os ouve e os entende. Seu rei, não. Creonte se fragiliza ao ignorar a desconfiança popular em relação a sua legitimidade. De fato, o trono é de direito dele. Mas o tirano, em suas deliberações monocráticas, não se baseava na ordem do cosmos – divino -, nem nas crenças do seu povo. 

O rei sabendo disso, tenta silenciar Antígona para manter sua legitimidade. Sepultada viva num antro rochoso, essa brutalidade evidencia aos cidadãos a desconfiança em seu rei.  Creonte é avisado que o futuro traz maus presságios. Todos sabem, mas o rei ignora: um homem não é superior à ordem que tudo rege. A ordem é superior ao indivíduo, à pessoa humana.

O tirano quer prevalecer ao destino. Mas é ilegítimo por querer que sua vontade, que seu arbítrio seja soberano.  Ele custa a perceber que nada pode contra o divino, contra o destino.  É tarde demais quando a lucidez o faz perceber que a ordem vai se restabelecer através das mortes de seus entes queridos. É o preço que vai pagar. O preço é a morte trágica de seus afetos e a vontade de suicídio que fere sua alma. Suicídio que é negado e ele sofre todas as dores que o destino a ele prescreveu.  A ordem volta, o tirano morre em vida, uma espécie de rei zumbi.

A idade média insistiu em manter esse dilema: ordem divina X ordem dos homens. Tentou manter a ordem de Deus acima da ordem dos reis.  Por isso pagou o preço de milhares de mortes em guerras “santas” para manter esse dogma.  A modernidade, por sua vez, colocou a razão no lugar de Deus. Hoje o consumo como dogma metafísico, assume as rédeas dos governos capitalistas. Também o preço é alto: guerras e catástrofes climáticas provocadas pelo homem.
Creonte e Antígona não morreram. Estão entre nós numa luta eterna e sempre atual.


quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Resenha: A arte de amar Erich Fromm



Nascido em 1900, em Frankfurt, Alemanha, Erich Fromm estudou psicologia e sociologia. Doutorou-se em Filosofia em Munique e recebeu sólida formação psicanalítica no Instituto Psicanalítico de Berlim. A partir de 1933, ano da ascensão de Hitler ao poder, passa a
exercer o cargo de professor nos EUA, em Chicago, e, posteriormente, a exercer a clínica em Nova York. Foi professor em várias universidades, inclusive no México. E seus livros passaram a se ater em questões humanistas que atraíram a atenção de profissionais de vários campos, como Sociologia, Filosofia e Teologia. De certa forma, muitas de suas ideias foram contemporâneas de várias abordagens humanistas.
Na sua obra A arte de amar, salienta um equívoco importante: uma prova de amor seria não amar a mais ninguém. Esse sentimento é uma atividade da alma; caso ame alguém, amo a todos, amo tudo. “Amo em ti a todos, através de ti amo o mundo, amo-me a mim mesmo em ti”.
O amor erótico é o anseio pela fusão, pela união com outra pessoa. Aqui aparece a exclusividade e não universalidade. Acrescenta que é, provavelmente, a forma mais enganosa de amar. Isso porque confundimos com cair enamorado, algo súbito e avassalador.  Mas esse avassalamento tem tempo curto de vida. A familiaridade com a pessoa faz surgir um sentimento que diz: nada mais há para conhecer na pessoa. Mas se nos déssemos tempo para realmente nos aprofundar na intimidade da pessoa, descobriríamos a impossibilidade de conhece-la totalmente em suas profundezas.  Sem conhece-la totalmente, a cada dia o milagre se renovaria: a pessoa eleita teria sempre coisas novas, maravilhas novas a serem descobertas. O desafio do conhecimento dela seria eterno. De outra forma, a pessoa seria explorada à exaustão. Exaurida perderia o brilho e valor. Tornar-se íntimo não é somente atingido pelo sexo, ou pela fala diária sobre “o que temos em comum”; nem mostrarmos nossas frustrações e magoas sendo sinceros ao máximo. Nem a complexa desinibição com relação ao companheiro (a) é intimidade. Esse tipo de proximidade torna-se rotineira e morre.
O amor erótico contrasta com o amor fraternal e o amor materno. O amor erótico consiste na união com uma só pessoa, diferente dos demais amores, que não estão restritos a uma única pessoa. O amor pode inspirar desejo sexual, mas mistura-se a ternura, essa ternura é produto do amor fraterno que está em nós. Fromm diz isso por que uma das características do amor erótico é a exclusividade, a exclusão do resto da humanidade. Mas o casal que ama é também humanidade, então há um sentimento de separação entre o casal, e entre o casal e o resto das pessoas. Para corrigir essa distorção, a pessoa que ama, ama na outra toda a humanidade, tudo que vive.  Entregamo-nos profundamente a uma única pessoa, mas não nos fechamos ao amor fraterno que vive em nós. 
O problema na reflexão de Fromm é que se amamos fraternamente, e em essência somos todos iguais, somos todos um. Não fará diferença quem amemos.  Ele resolve dizendo que amar é um ato de vontade, de decisão a quem vou entregar-me. Existe um aspecto racional por trás da indissolubilidade do matrimônio (em suas diversas formas). Amar alguém não é só sentimento, mas decisão, um julgamento, uma promessa. Isso seria a morte do amor e a vitória da racionalidade fria? Não, pois como Fromm diz, amamos a humanidade fraternalmente, escolhemos uma pessoa porque apesar de sermos um, somos pessoas diferentes, irrepetíveis. Essa especificidade nos faz sermos escolhidos.
Para Erich Fromm o amor consiste na compreensão de que ele não é uma situação acidental em que nele se “tropeça”. Na verdade, é algo que, na qualidade de arte, exige conhecimento e esforço.
Quanto ao amor próprio Fromm, traz importantes informações. Alegar que amar a si é inversamente proporcional a amar o próximo, não é bem verdade. Amar o próximo é louvável. Eu e o outro somos humanos; então amar outra pessoa é amar a mim mesmo! Por outro lado, amar a mim mesmo me torna apto a amar o outro. É impossível, segundo Fromm, amar só o outro. Quem não ama a si também, não pode amar ninguém.
A pessoa egoísta só se interessa por si mesma, não sente prazer em compartilhar, só quer tomar do outro.  O mundo é visto como algo a ser dominado e dele subtraído tudo.  O egoísta não pode ver senão a si mesmo, julga tudo por si mesmo. É, portanto, incapaz de amar.  Importante: para Fromm a pessoa egoísta não ama demais a si mesma, ao contrário ama de menos: odeia-se. Furta da vida o que por si mesmo não consegue atingir. Quer encobrir o fracasso em cuidar de si mesma.
Fromm diz que o amor é uma atitude, uma orientação de caráter.  Não há, a priori, um objeto de amor, mas uma visão amorosa com relação ao mundo. Pois se amo uma única pessoa, excluo o resto da humanidade. Aqui meu afeto torna-se simbiótico ou um egoísmo ampliado.
A sociedade capitalista se funda na ideia de um mercado o mais livre possível.  O mercado é regulado pela utilidade das coisas. Nele tudo é transformado em artigo de compra e venda, desde as coisas mortas até a energia e capacidade de trabalho. Fromm afirma: “O capital comanda o trabalho; as coisas acumuladas, que são mortas, têm valor superior ao trabalho, às forças humanas, àquilo que é vivo”. Ele alerta que o capitalismo tem necessidade de pessoas que cooperem sem atrito. É importante que consumam muito e de forma padronizada. No capitalismo o homem experimenta suas forças de vida como um investimento que deve produzir o máximo de lucro possível. Estamos tão alienados que mesmo buscando nos aproximarmos dos outros, não conseguimos superar a separação.  Então a civilização moderna/capitalista nos oferece soluções de curto prazo, fáceis e instantâneas: o trabalho rotinizado e burocratizado, a diversão acrítica e o consumo compulsivo patrocinado pela mega indústria da diversão. Mas isso não diminui a separação entre as pessoas!  E como fica o amor nesse ambiente?  Estamos impossibilitados de amar: “Autômatos não podem amar; podem trocar seus fardos de personalidade e esperar um bom negócio”.  O casamento passa a ser uma equipe de dois destinada a auferir lucros. Um ajuda o outro a ter sucesso no mundo capitalista.  “Forma-se uma aliança de dois contra o mundo, e esse egoísmo a dois é enganosamente tomado por amor e intimidade”.

O amor é uma arte. E só aprendemos uma arte praticando-a: não há uma receita. A experiência de amar é pessoal e intransferível. E para dominar uma arte é necessário disciplina e concentração. Concentração é algo muito difícil de conseguir em nossa cultura. Somos multifuncionais, multiuso, fazemos tudo ao mesmo tempo. O tempo tem pressa. Somos incapazes de ficarmos sós, em companhia de nós mesmos.  “Sentar-se quieto, sem falar, fumar, ler, beber, é impossível para a maioria das pessoas, precisam fazer alguma coisa com a boca ou as mãos”. Temos que aprender a ficarmos sós conosco mesmos, pois é essa capacidade uma das condições da capacidade de amar. Aprender a concentrar-se exige do aprendiz que evite a conversação trivial.  Falar das coisas de maneira abstraída não é concentrar-se, falar de lugares comuns, falar do que o coração não sente não é ficar atento.  Deve-se inclusive evitar as más companhias. “Por más companhias não me refiro apenas a pessoas que sejam viciadas e destruidoras; deve-se evitar a companhia destas por que sua órbita é venenosa e deprimente. Falo também da companhia dos zumbis, da gente que tem a alma morta, embora seu corpo esteja vivo; daqueles cujos pensamentos e conversas são triviais; que tagarelam em vez de falar e que emitem opiniões estereotipadas em vez de pensar”.
Outro fator é a falta de paciência. Queremos andar rápidos, mas a rapidez é má professora de uma arte.  “O homem moderno pensa que perde alguma coisa – o tempo – quando não faz as coisas rapidamente; todavia, ele não sabe o que fazer com o temo que ganha – a não ser matá-lo”. Aristóteles dizia que obtemos as virtudes através do hábito. Semelhantemente Fromm diz que se alguém quer tornar-se um mestre em alguma arte, devote a vida inteira a ela.  “Com relação à arte de amar, isto significa que quem aspire a tornar-se mestre nessa arte deve começar por praticar a disciplina, a concentração e a paciência, em todas as fases de sua vida”.
Mas, afinal, qual é a principal condição para eu realizar minha capacidade de amar? A superação do narcisismo. Para o narcisista só é real o que existe dentro de si mesmo. O que é exterior só visto sob o ponto de vista do útil e do perigoso. A pessoa insana toma como verdadeiro só aquilo que vai na sua cabeça, como num sonho eterno.  Todos nós somos meio insanos, somos atingidos por uma visão narcísica do mundo.  Nas palavras de Fromm: “A faculdade de pensar objetivamente é a razão; a atitude emocional por trás da razão é da humildade. Ser objetivo, usar a razão, só é possível quando se consegue uma atitude de humildade, quando se emerge dos sonhos de onisciência e onipotência que se tem quando criança”. Por isso o amor requer uma certa renúncia ao narcisismo, requer o desenvolvimento da humildade, da objetividade da razão. Humildade e objetividade são inseparáveis.  Preciso ver a pessoa que vou amar como ela realmente é, renunciar a quadro que pinto dela com as cores do meu desejo. A pessoa pode fazer parte do meu projeto pessoal, mas não é o meu projeto pessoal.
Não podemos deixar de salientar que Fromm diz: a fé em si mesmo é condição fundamental para o amor. Essa ”fé” é racional, uma convicção fundamentada na minha própria experiência ou sentimento. É a certeza e a firmeza que nossas convicções possuem, isso de forma argumentada, defensável e objetiva. Ter fé em mim abre espaço em meu psiquismo para ter fé no outro, para dota-lo da capacidade de eu amá-lo. “Ter fé requer coragem, a capacidade de correr um risco, a disposição de aceitar mesmo a dor e a decepção”. Quem tiver pouca fé em si, ou pouca fé no noutro, não pode amar em plenitude.


Em resumo: o homem moderno transformou-se em artigo, em coisa; experimenta sua energia vital como um investimento com que pode alcançar o mais alto lucro, considerando sua situação no mercado de personalidades. Alienou-se de si, dos semelhantes e da natureza. Seu objeto principal é a troca proveitosa de suas capacidades, conhecimentos e de si mesmo, de seu “fardo de personalidade” com outros que querem igualmente uma troca justa e proveitosa. A vida não tem meta, exceto de movimentar-se, nem princípio a não ser a de boa troca, nem satisfação que não seja a de consumir. (Revista pensamento biocêntrico. Página 36. http://www.pensamentobiocentrico.com.br/content/edicoes/14full.pdf)


terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Desobediência civil

Prof. Amilcar Bernardi

Art. 1º - Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.


Nos países democráticos a liberdade é um dos valores de maior importância. O
Estado está a serviço dos interesses do povo e não ao contrário. Portanto, se o Estado exorbita, e na medida em que exorbita, há quem defenda que os cidadãos podem tomar para si o direito de obedecer/desobedecer ao arbítrio estatal.
É um momento de empoderamento popular. A liberdade passa a ser exercida acima do poder de coação das autoridades. O Estado fica impedido de obrigar o cumprimento da sua ordem. O indivíduo poderá desobedecer a ordem exorbitante. Não é possível exigir do cidadão aquilo que extrapola o contrato social.  
O ser humano nasceu livre, depois criou o Estado. Essa liberdade pode ser retomada quando os direitos e garantias constitucionais são aviltados. Afinal, o Estado está limitado por sua constituição. As pessoas só aceitam a redução da sua liberdade natural, nos limites constitucionais. Nem um milímetro a mais. As pessoas não deram um “cheque em branco”. O contrato social firmado está claro nas regras das Constituições. O cidadão obedece porque acredita nas leis e fará todo o possível para continuar nelas acreditando. Inclusive, aceita como justa a coerção sobre aqueles que, conscientes do contrato social, o descumprem injustificadamente. Inclua-se nessa afirmativa as próprias autoridades.


Desobediência civil:  Resistência pacífica ao poder constituído.  Forma de oposição política que se manifesta no descumprimento das normas legais e no não-atendimento às ordens da autoridade.
Dicionário Jurídico. Ivan Horcaio. 2008



O que justifica a fé na lei é a sua racionalidade. Todos sabem que pior seria se elas não existissem, ou que fosse permitida exceções arbitrárias às suas determinações. Não pode haver cobranças excessivas ou liberalidades injustificadas, irracionais. Se a jurisdição se baseia no povo que a garante ao mesmo tempo que a sofre, cabe também a ele a desobediência em casos excepcionais.
Na Constituição de 1988, a subordinação das autoridades ao povo é clara no seu artigo primeiro e em seu parágrafo único, onde é consagrada a mera representatividade dos comandantes do país. Mas, essa mesma constituição, não deixa claro os instrumentos legais determinantes para a intervenção popular no legislativo ou no executivo. Não há, no Brasil, amparo evidente à desobediência civil. Ou seja, não está regulamentado o direito da não ação do cidadão, o direito de não obedecer ao que é exorbitante, ao que é injusto.
Quem seria o titular do direito à desobediência? O cidadão com suas prerrogativas e obrigações, consciente das normas que desobedece e das suas  consequências. A pessoa desobediente não quer algo somente para si, mas quer com sua omissão consciente e cidadã, mostrar a injustiça da lei, a sua inconformidade cívica em relação ao exorbitamento do Estado. Por isso, o indisciplinado quer o novo, a mudança, e não entende como normal sua indisciplina. Quer-se mais resistir ao injusto do que negar a importância da disciplina frente à lei.
Pode-se dizer que o insurgente momentâneo defende a Constituição, pois crê defende-la de um mau uso dela pelas autoridades. Na voz de Henry Thoreau convém lembrar: “ O governo, no melhor dos casos, nada mais é do que um artifício conveniente, e todo o governo algum dia acaba por ser inconveniente. ” Thoreau, um dos principais pensadores da desobediência civil, não considerava o desobediente alguém contra o governo. O indisciplinado se contrapunha ao ato injusto e, ao não o aceitar, contribuía para um governo melhor.
Quem defende a Desobediência, entende que um governo melhor não vem necessariamente da maioria, afinal, quantidade não é sempre sinônimo de qualidade. Há a possibilidade de, ao atender o cidadão desobediente, o Estado seja mais justo do que ao tender a maioria. Para o desobediente civil, o questionamento pacífico e constante, a crítica persistente, mesmo que inoportuna ao olhar do dirigente, é a garantia da qualidade das ações governamentais.